O novo coronavírus veio para ficar. Temos de aprender a viver com ele

O que é a variante de um vírus? Qual a importância da análise genómica do novo coronavírus? Como é que a genómica pode ajudar a revolucionar a Medicina e os cuidados de saúde?

O investigador Manuel Santos responde a estas questões, numa entrevista sobre a importância da sequenciação genómica como forma de combate à pandemia e também sobre a relevância da análise de genomas para o futuro da Medicina.

O nosso Convidado Especial é coordenador do Instituto de Biomedicina (iBiMED) da Universidade de Aveiro e foi recentemente nomeado para o grupo de trabalho para a implementação da Estratégia Nacional para a Medicina Genómica, no âmbito da promoção da Medicina Personalizada em Portugal.

Trata-se de uma rede 14 laboratórios distribuídos pelo território de Portugal Continental. Estes laboratórios fazem sequenciação e análise de genomas, em várias áreas. Desde 2020 que estamos a apoiar o país na vigilância genética das variantes do SARS-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19.

As variantes são formas ligeiramente diferentes do vírus original. Ao longo do tempo, os vírus vão acumulando mutações, que são pequenas variações no seu genoma. Vírus com mutações são designados como variantes do vírus original.

Ao reproduzirem-se, os vírus têm que duplicar o genoma e, nesse processo, ocorrem alguns erros, que são inerentes ao próprio processo de replicação do genoma.

Os vírus de RNA (que têm ácido ribonucleico como material genético, como o novo coronavírus) têm uma taxa de mutação muito elevada, embora o SARS-CoV-2 não seja o vírus de RNA com a maior taxa de mutação que conhecemos.

Sim, o vírus não é inteligente e as mutações são erros de replicação que acontecem ao acaso. Significa que o vírus não sabe que tipo de mutação deve produzir para ter um efeito benéfico para ele próprio, por exemplo aumentando a sua eficiência e infetando as nossas células.

As mutações podem ser neutras, sem qualquer efeito na taxa de infeção, replicação e sobrevivência do vírus. Podem ainda ser positivas para o vírus ou podem ser negativas, enfraquecendo o vírus e dificultando a sua sobrevivência.

No fundo, as nossas células acabam por ser um filtro das mutações virais, as que são benéficas para o vírus permitem-lhe infetar e sobreviver melhor nas nossas células e, por esta razão, espalham-se mais rapidamente na população. Mas as mutações acontecem ao acaso, são erros de replicação genoma viral e não há qualquer tipo de inteligência associada a esse processo.

É aliás um caso interessante para explicar às pessoas como funciona a evolução darwiniana. As mutações ocorrem continuamente : a seleção natural elimina as prejudiciais e fixa no genoma as benéficas, as neutras também se mantêm no genoma por não causarem qualquer dano, criando a diversidade genética que permite a evolução das espécies. Sem erros de replicação do genoma, ou seja sem mutações, não havia diversidade genética e os seres vivos não evoluíam. Nós também não existiríamos.

De todas as mutações que o vírus produz continuamente, apenas um número baixíssimo é que tem efeitos benéficos para o próprio vírus. Uma grande parte das mutações que aparecem no vírus são negativas e acabam por lhe causar danos. Por exemplo, se o vírus infecta as nossas células com menor eficiência, se se replica mais lentamente dentro das nossas células ou se é menos resistente ao nosso sistema imunitário, terá menor probabilidade de causar infeções com elevada carga viral e, por esta razão, tenderá a causar menos infeções, desaparecendo da população gradualmente. Para o vírus, trata-se de uma luta permanente pela sua sobrevivência com as nossas células, as variantes (mutações) que lhe conferem uma vantagem são as que vão permitir infetar mais indivíduos, permitindo-lhe sobreviver melhor na população.

É uma ferramenta importante para comnpreendermos a evolução do vírus e para apoiar a tomada decisões na gestão desta pandemia, a par com a testagem, os rastreios dos contactos,as medidas de saúde pública e os hospitais.

A sequenciação permite-nos perceber quais as variantes que estão a causar mais infeções em determinada população, seja a nível local, regional, nacional ou global

É importantíssimo termos uma ideia concreta do tipo de variantes que estão a circular, para conhecermos as razões do avanço e da dinâmica da pandemia e, desta maneira, ajustarmos de modo informado as medidas de controlo da pandemia.

Não temos forma de saber se uma variante com uma determinada mutação ou com várias mutações é mais perigosa : se se dissemina mais rapidamente na população, se causa doença mais severa ou se escapa ao sistema imunitário. Tal só é possível se cruzarmos os dados da sequênciação genómicacom os dados clínicos, que é o que tem sido feito. Quando encontramos uma variante em que os dados epidemiológicos e/ou clínicos mostram que tem um impacto clínico relevante designamo-la por estirpe. Por exemplo, a alfa, a beta a delta etc. Mas há muita confusão na imprensa sobre esta matéria e confunde-se normalmente o conceito de variante e de estirpe.

Conhecer as variantes através da sequenciação genómica é também extraordinariamente importante para o desenvolvimento de vacinas e de futuros medicamentos antivirais.

As diretrizes do centro europeu de controlo das doenças (ECDC) recomendam a sequenciação de 5 a 10% de todos os casos positivos, sendo essa percentagem suficiente para manter o controlo das variantes. E é isto que temos feito em Portugal, apesar de dificuldades de financiamento temos conseguido atingir esses valores.

A coordenação deste trabalho é feita pelo INSA - Instituto Ricardo Jorge, que recorre à rede de laboratórios do Genoma PT, que têm contribuído pro bono para a vigilância nacional das variantes.

Sentimos que, sendo maioritariamente laboratórios com sede em instituições públicas, é nosso dever ajudar o país quando precisa.

O país tem feito um esforço notável para manter este programa de vigilância das variantes e até ao momento já sequenciámos mais de 9.000 vírus.

Seria positivo que este programa tivesse uma task force de coordenação e definição de estratégias e um orçamento específico, até porque muitos dos nossos laboratórios têm dificuldades de financiamento.

Temos conhecimento e capacidade em Portugal para fazer ainda mais. E as variantes são imprevisíveis e precisam de continuar a ser estudadas.

Este coronavírus veio para ficar, não há dúvidas sobre isso. Temos de aprender a viver com o vírus, porque ele não vai embora. O que poderá acontecer é que estas infeções se tornarão parte da nossa vida e vamos aprender a lidar com elas de uma maneira mais informada e eficaz.

Mesmo com a vacinação, muitíssimo importante e eficaz, haverá sempre situações de infeção e até de hospitalizações por este coronavírus.

Ou seja, os testes e a vigilância das variantes também vieram para ficar.

Desde o início desta pandemia que os cientistas, de forma muito altruísta, decidiram colocar as sequências genómicas em bases de dados públicas. Um elevado número de Países tem programas de vigilância genética das variantes e temos milhares e milhares de sequências genómicas deste vírus depositadas em bases de dados públicas. As sequências são totalmente públicas e há uma partilha quase em tempo real com toda a comunidade científica, com as empresas farmacêuticas e de biotecnologia e com a comunidade médica, o que é raro acontecer.

Portanto, há bases de dados internacionais acessíveis a toda a comunidade científica e também às autoridades de saúde.

Penso que este exemplo da pandemia pode servir de impulso a iniciativas de medicina de precisão, ou Medicina Personalizada, que estão a ser lançadas a nível internacional. E a pandemia é um exemplo concreto dos benefícios da partilha de dados.

Em curso estão projetos de extraordinária importância para disponibilizar, de forma totalmente anonimizada, dados de sequenciação genómica de milhares de pessoas. Isto poderá permitir prevenir doenças e personalizar tratamentos.

A medicina do genoma pode ajudar a revolucionar os cuidados de saúde, levando ao desenvolvimento de melhores diagnósticos, medicamentos, terapias e intervenções mais direcionadas a cada pessoa. Pode também ajudar a maximizar a utilização de recursos dos sistemas de saúde.

A União Europeia tem em curso um projeto para atingir pelo menos 1 milhão de genomas sequenciados até 2022, num esforço de colaboração entre cientistas, profissionais de saúde, investigadores, decisores e organizações de doentes.

A partilha da sequência do genoma humano é de extrema importância para a comunidade científica, permitindo que mais dados sejam investigados e que se cheguem a conclusões indiscutivelmente relevantes para a saúde humana.

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