Aumento brutal da sobrevivência ao cancro é uma grande conquista das últimas décadas

Convidado Especial – Vítor Rodrigues

Tem sido uma total mudança de paradigma. Há duas ou três décadas, um diagnóstico de cancro era quase uma sentença de morte a breve prazo. Hoje em dia, em termos globais, mais de metade dos cancros têm uma sobrevivência superior a cinco anos.

Em vésperas do Dia Mundial do Cancro, que se assinala dia 4 de fevereiro, é nosso Convidado Especial o Presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Rodrigues.

Nesta segunda parte da entrevista, além dos avanços registados, sublinha a importância de termos grandes centros especializados de tratamento da doença oncológica, a par de recursos que permitam aos doentes estarem próximos desses locais de tratamento.

O que mais marcou a área oncológica nos últimos anos?

Aquilo que tivemos em termos de doença oncológica foi sobretudo um avanço enorme.

Primeiro, um avanço enorme em termos da perceção que a população foi tendo sobre doença oncológica em geral, incluindo os doentes.

Durante estas últimas dezenas de anos, mudámos completamente o paradigma. Há poucas décadas, olhávamos para um diagnóstico de cancro e era quase sinónimo imediato de sinal de morte. E neste momento, sem olhar para a pandemia obviamente,um diagnóstico de doença oncológica é já um diagnóstico que não significa per si, imediatamente, um diagnóstico de morte.

Em termos globais, podemos dizer que já mais de 50% dos cancros têm uma sobrevivência ou sobrevida superior a cinco anos, quando há 30 anos essa percentagem era de 10 a 20%.

Claro que este tipo de estatística varia consoante a localização do tumor e a precocidade de diagnóstico.

Em que áreas tivémos uma evolução mais significativa?

Conseguimos avanços brutais, por exemplo, no cancro da mama, colo do útero, cancro infantil, cancro linfático...Temos outros em que ainda não conseguimos grandes avanços, como no pâncreas ou fígado. E há ainda outros em que a esperança é enorme, como no caso do pulmão ou colo-retal.

Em termos de terapêutica, verificaram-se aspectos fundamentais. Primeiro, sabemos que a rapidez de tratamento é fulcral. O segundo aspecto é ter o tratamento adequado, segundo determinados parâmetros científicos. Foram sobretudo estes dois aspectos que levaram a um aumento brutal da sobrevivência e uma diminuição muito significativa da mortalidade.

E defende que o tratamento deve ser feito em centros especializados...

Sim, defendo. O diagnóstico e, sobretudo, o tratamento de cancro não pode ser feito em qualquer lado. Exige qualidade. E essa qualidade está muito dependente das capacidades técnicas, da experiência dos profissionais. Necessitamos de locais multidisciplinares.

Admito que temos aqui algo que ainda não sabemos bem, nós, enquanto sociedade, como fazer, que é compatibilizar dois aspetos que, à primeira vista, parecem antagónicos, mas que efetivamente não o são. O primeiro é o tratamento em grandes centros especializados multidisciplinares e o segundo aspeto é a acessibilidade geográfica dos doentes a esses grandes centros.

Nesse último ponto refere-se a evitar grandes deslocações por parte dos doentes?

Sim, tem a ver, por exemplo, com criarmos a possibilidade de termos residências onde os doentes possam ficar antes ou depois dos tratamentos. Para evitarmos situações de, por exemplo, um doente de 70 ou 80 anos com cancro da próstata, que sai às 5 da manhã de casa do Interior do país, faz 200 quilómetros e chega já estourado ao serviço de radioterapia. Depois, regressa às 6 ou 7 da tarde e chega a casa às 10 ou 11 da noite. Há que arranjar residências onde esses doentes possam ficar no dia anterior.

Não é caro, é até relativamente barato, em termos financeiros, e é um apoio de retaguarda, mas uma retaguarda próxima do local de tratamento do doente.

Hipócrates dizia que “É mais importante saber que tipo de pessoa tem uma doença do que saber que tipo de doença tem uma pessoa”. Como encara o presente e o futuro da Medicina Personalizada na área oncológica?

Costumo dizer que a Medicina Personalizada já existe desde a Antiguidade. Mas temos neste momento muitíssimo mais conhecimento, começamos a ter Medicina Personalizada com ciência que antes não se conhecia.

Há meia dúzia de anos, eu dizia que não teríamos capacidade para ter verdadeiramente Medicina Personalizada, porque não teríamos dinheiro para isso. Mas, depois desta pandemia, mudei de opinião. Se tivemos dinheiro para "despejar” sobre as vacinas, também há a possibilidade de termos mais para inovação e investigação nesta área.

Voltei a acreditar, sob o ponto de vista prático, que teremos possibilidade financeira de escolher um medicamento para cada doente.

A sociedade tem de decidir onde colocar as suas preferências. Mas fiquei completamente convencido de que a Medicina Personalizada vai ter um incremento perfeitamente brutal.

Também percebemos agora que as pessoas vão sabendo mais de ciência ou compreendendo mais o que é a ciência. Perceberam mais em nove meses do que nos anteriores 30 anos. Estou convencido de que vai ser possível desenvolver tecnologicamente os medicamentos, seja em termos de novidades ou de inovação, rumo a uma Medicina Personalizada. É tudo uma questão de prioridades e de alocar recursos.

É só a sociedade querer. O ritmo de avanço da Medicina Personalizada terá a ver com essas escolhas da sociedade.

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