Convidado Especial - Vitor Neves

Entrevista - Vítor Neves, Presidente da Associação de Apoio ao Doente com Cancro Digestivo

“Estamos a viver no país da mono doença”

Milhares de cancros ficaram por diagnosticar com a suspensão da atividade em unidades de saúde durante a pandemia. Muitas situações já não serão recuperáveis, até porque, na doença oncológica, algumas semanas ou meses representam a diferença entre viver ou morrer.

O retrato é deixado por Vítor Neves, presidente da Europacolon Portugal - Associação de Apoio ao Doente com Cancro Digestivo, numa entrevista em que também aborda o crescimento da atuação da associação.

A pandemia afetou também os doentes não-Covid. Que cenário traçam neste momento enquanto associação de apoio a doentes oncológicos?

Neste momento estamos no país da mono doença, que é a Covid.

Entendemos que a pandemia é um caso de saúde pública mundial e grave, entendemos o choque que foi, em março, com os primeiros casos e entendemos a necessidade que o Ministério da Saúde teve de se reorganizar nos primeiros tempos.

Agora, oito meses depois, continuarmos a estar totalmente focados apenas na resolução da pandemia parece-nos exagerado, perigoso e lesivo da condição humana. O que acontece é que toda a atenção do SNS está dedicada, quase a 100 por cento, à Covid.

Quando se refere a perigo, significa que há risco de vida para pessoas com outras doenças?

O perigo que hoje se corre de ter um cancro não diagnosticado é muito grande. Milhares de diagnósticos ficaram por fazer. Dos 50 mil que se faziam todos os anos, cerca de 35 mil diagnósticos oncológicos não foram feitos.

Na área do cancro, diagnóstico adiado é diminuir sobrevivência, aumentar sofrimento, aumentar custos sociais e até aumentar custos para o SNS.

Porque as doenças não desapareceram. Foi adiado o seu reconhecimento, mas, quando forem diagnosticadas, mais tarde, elas vão exigir mais gastos com os tratamentos e vão exigir que as pessoas vivam menos tempo e tenham mais sofrimento. Não podemos aceitar que isto aconteça por muito tempo.

Este problema já se reflete na atividade da Europacolon?

Temos uma lista imensa de chamadas telefónicas por causa da pandemia. As nossas chamadas com pedidos de ajuda multiplicaram-se por dez. As pessoas recorrem a nós por problemas económicos ou sociais, porque sentem falta das equipas domiciliárias, porque não têm as suas consultas que estavam agendadas ou porque não conseguem marcar colonoscopias.

Se muitos doentes ficaram para trás, quanto tempo vai demorar o país a recuperar?

Há um passivo que já não se vai limar, que é irrecuperável. Porque um ano num doente com cancro pancreático, do fígado, ou colorretal …já não terá solução. Estamos a mexer nos anos de vida das pessoas.

A restante recuperação pode demorar alguns anos, mas vai demorar tanto mais quanto mais tarde começarmos.

Qual deve ser a prioridade?

A saúde tem de ser reorganizada. Sugerimos a criação de uma plataforma ou estrutura de pessoas que se dediquem especificamente a estudar e avaliar a forma de recuperar o SNS, fazendo um acompanhamento regular das situações, sobretudo na oncologia: rastreios, diagnósticos e tratamentos a doentes que já eram acompanhados.

Uma plataforma que junte Ministério da Saúde e da Solidariedade Social, representantes dos profissionais de saúde, associações de doentes, setor social, setor privado, indústria farmacêutica, entre outros. Uma estrutura composta por profissionais independentes e imunes a pressões.

A Covid veio mostrar que a saúde é o nosso bem mais precioso e que sem saúde não há economia. Temos de reorganizar a nossa saúde.

Europacolon - A casa que apoia todos os cancros da área digestiva

A Europacolon ainda surge muito ligada apenas ao cancro do colo-retal. Mas qual a vossa abrangência?

A criação da Europacolon em 2006 teve como objetivo a luta contra o cancro do intestino, uma doença muito grave em Portugal. Mas no país não existia nenhuma associação que se dedicasse a acompanhar e apoiar doentes com outros cancros do foro digestivo. Decidimos, assim, abrir-nos às outras áreas: fígado, pâncreas, esófago, estômago e tumores neuroendócrinos.

Foi uma abertura da Associação para colmatar uma carência, é isso?

Sim, as pessoas procuravam-nos e não tínhamos coragem de dizer que esta não era a porta certa, sobretudo quando não podíamos indicar uma porta alternativa. Ainda bem que o fizemos, porque podemos ajudar mais pessoas.

Que peso têm os cancros do foro digestivo a nível nacional?

São um caso de saúde pública muito grave que urge resolver. Dos cerca de 50 mil cancros diagnosticados por ano, há 17 mil novos casos do foro digestivo. E a mortalidade ronda os 10 mil casos por ano.

Além da aposta na prevenção, nos rastreios e diagnóstico precoce, é também preciso incentivar a investigação clínica e médica nestas áreas, onde ela é muito necessária, sobretudo na área do fígado e do pâncreas, por exemplo.

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