Convidado Especial - Joaquim Brites - Presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares

Rastreio neonatal na atrofia muscular espinhal pode revolucionar vidas

As doenças neuromusculares são o maior grupo de patologias raras do mundo. Contemplam cerca de 200 doenças já identificadas, desde algumas que, apesar de graves, são de menor severidade, a outras verdadeiramente devastadoras que podem tirar a vida a bebés até aos dois anos.

É o caso da atrofia muscular espinhal (SMA, na sigla inglesa), a doença responsável pela maior taxa de mortalidade infantil na maioria dos países do mundo.

A inclusão da atrofia muscular espinhal no ‘teste do pezinho’ pode significar devolver uma vida “mais normal” a uma criança que iria morrer até aos dois ou três anos.

É o que defende o presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares, Joaquim Brites, que é nosso Convidado Especial.

O que são as doenças neuromusculares?

Trata-se do maior grupo de doenças raras do mundo. Existem cerca de 200 identificadas e quase todas se caracterizam por perdas de força muscular, quase todas são genéticas e têm um conceito hereditário associado. Os doentes diagnosticados necessitam sempre de apoios ou ajudas técnicas, como cadeiras de rodas eléctricas ou andarilhos para a sua locomoção, computadores para a escrita, apoios de cabeça, transportes adaptados…Vários músculos podem ir sendo afetados, incluindo os pulmonares e do coração.

Sabemos, em Portugal, quantas pessoas têm doenças neuromusculares?

Guiamo-nos pelas estimativas da média europeia. Apontamos para mais de 5.000 doentes com doenças neuromusculares. As estimativas indicam-nos que haja um caso destas doenças para cada cinco mil nascimentos.

Muitas destas doenças são diagnosticadas em crianças. Como se preparam as famílias para um diagnóstico destes?

Nestas doenças, o diagnóstico é fundamental e por vezes chega tarde. Durante muito tempo, algumas queixas podem confundir-se com os sintomas de outras doenças e o diagnóstico tarda. Além disso, muitas destas doenças são devastadoras, com um fim muito complexo, e os diagnósticos são terríveis de comunicar.

Difícil de comunicar para quem? Para os próprios médicos?

Sim, para os médicos. Há ainda muita dificuldade em comunicar ou em saber comunicar diagnósticos destes. Os médicos têm formação e são treinados para diagnosticar e tratar doenças mas, nem sempre para saber comunicar os seus efeitos.

Como se preparam as famílias para diagnósticos tão devastadores?

É preciso acompanhar as famílias quando estes diagnósticos chegam. Essa é uma das missões centrais da nossa Associação. As famílias têm de ter, acima de tudo, a informação correta e que vá sendo comunicada, para que haja tempo de prepararem as muitas mudanças que são necessárias.

Mas de que tipo de mudanças estamos a falar?

Quando um casal tem um filho pequeno, no qual depositou todos os sonhos e esperanças, um diagnóstico de uma doença neuromuscular pode fazer cair tudo por terra, assim como tudo aquilo que se idealizou para aquele filho. A família tem de estar preparada para que a evolução seja contrária a toda a expectativa que criou.

Não se pode preparar a família para isto de um dia para o outro. Tem de ser uma preparação gradual, colocando a família a partilhar experiências com outras famílias que passam, ou passaram já, pelo mesmo.

A partir do momento do diagnóstico, quais são as alterações que a família tem que equacionar?

Depende do diagnóstico e da doença em concreto. Mas, pode até acontecer que a família tenha que mudar de casa, que adaptar algumas das divisões, que algum dos pais tenha de equacionar os ritmos de trabalho….Preparar um jovem casal para este tipo de questões é muito complexo.

Em algumas destas doenças, a esperança de vida pode não ir além dos dois ou três anos…

Sim, é o caso da atrofia muscular espinhal (SMA) tipo I, que é uma doença rara, genética, progressiva e, quase sempre, fatal. Afeta a capacidade de caminhar, sentar, comer e até de respirar. Sem tratamento, estes bebés podem não chegar aos dois anos de vida.

É em casos como a atrofia muscular espinhal que defende que o diagnóstico deve ser feito logo nos primeiros dias de vida?

Há países que já estão a incluir a SMA nos programas de diagnóstico precoce, como o do teste do pezinho em Portugal, que são conjuntos de testes de diagnóstico que permitem identificar crianças que sofrem de doenças, quase sempre genéticas que, caso exista, podem beneficiar de um tratamento mais precoce.

Estamos a trabalhar para que a SMA possa ser incluída, nem que seja através de um projeto piloto. Em conjunto com projetos e parceiros europeus, estamos muito empenhados em conseguir a necessária aprovação para a realização de um projeto que inclua a SMA no Programa Nacional de Rastreio Neonatal. Porque diagnosticar cada vez mais cedo significa poder tratar cada vez mais cedo.

Diagnosticando mais cedo, temos formas de tratar esta doença?

Nos últimos tempos foi possível desenvolver formas de tratamento para a SMA, incluindo terapia genética para o Tipo 1, o mais grave de todos. Teremos ganhos enormes se diagnosticarmos um doente quase à nascença. Poderemos começar o tratamento à terceira semana de vida e permitirmos não só poupar vidas humanas como, também, dar-lhe mais qualidade do que a que é expectável. Pode ser a diferença entre morrer antes dos dois anos ou ter uma criança que corre, salta e que até vai à escola.

Ainda está em estudo a total evolução das crianças tratadas precocemente, mas os indicadores são positivos.

Além da vida, cujo valor é incalculável, os doentes diagnosticados e tratados mais cedo podem trazer à sociedade poupanças significativas, em consumos de saúde, em apoios sociais e técnicos, etc.

Olhando novamente para todo o conjunto das doenças neuromusculares, também a pandemia de Covid-19 afetou estes doentes?

Afetou, e de forma acentuada. Para segundo plano ficou o acesso às terapias e tratamentos (como fisioterapia) de que os doentes neuromusculares dependem totalmente.

Para tentar contornar esta dificuldade, que era absolutamente crítica para os nossos doentes, a Associação Portuguesa de Neuromusculares lançou mãos à obra.

Para aqueles que, pela distância, não podem beneficiar dos nossos serviços de fisioterapia, tentámos transformar as fragilidades em forças e, por exemplo, lançámos uma série deinformativos e educativos sobre as doenças neuromusculares. Um dos objetivos é que as famílias possam minimizar a falta de tratamentos.

Entre esses vídeos, que contaram com o apoio da Roche, estão tutoriais de reabilitação para doentes neuromusculares, quer para adultos, quer para crianças e nas várias fases da evolução da doença.

ContactosPelo MundolinkedinfacebooktwitterinstagramyoutubeProfissionais de SaúdeSobre nósSoluções TerapêuticasTrabalhar na RocheFarmacovigilânciaPolítica de PrivacidadeTermos LegaisPolítica de Cookies