Convidado Especial - Hugo Pinto Marques

Atualmente dirige o serviço de cirurgia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) e é um reconhecido especialista em cirurgia hepato-biliar.

Hugo Pinto Marques é o nosso Convidado Especial, numa entrevista sobre as doenças do fígado, acerca do carcinoma hepato-celular e da transplantação hepática em Portugal e também sobre a forma como a pandemia acabou por afetar todas as áreas da saúde.

Todos os anos são feitos entre 100 a 140 transplantes de fígado no Centro de Referência Hepato-Bilio-Pancreático do Hospital Curry Cabral, que integra o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC). Trata-se do centro que mais transplantes faz em Portugal e um dos cinco centros mais ativos na Europa nesta área, inovando também em técnicas cirúrgicas.

Mais de 2.000 transplantes de fígado já foram realizados neste Hospital. Como se compara este centro no contexto europeu?

Estamos quase a atingir 30 anos de transplantação hepática neste centro. Fazemos entre 100 e 140 transplantes hepáticos por ano e temos sido um dos cinco centros mais ativos da Europa, com resultados compatíveis com os grandes centros, com uma mortalidade que anda abaixo dos 5% e com resultados de sobrevivência aos cinco anos superiores a 70%.

A nossa maior contribuição para a transplantação no mundo foi a introdução do transplante sequencial com a técnica de duplo piggy-back, criada pelo Dr. João Pena e pelo Prof. Eduardo Barroso. É uma técnica previamente introduzida pelo Prof. Linhares Furtado e depois modificada por nós, em que se utiliza o fígado de um doente transplantado por Polineuropatia Amiloidótica Familiar noutro doente. Foi uma contribuição relevante para a transplantação em termos mundiais e somos frequentemente convidados para falar sobre isto em vários congressos em todo o Mundo.

Mas não podemos desligar a transplantação das outras valências do Centro. O “Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação” foi criado pelo Prof. Eduardo Barroso, que até há poucos anos dirigiu o Serviço. É sobretudo a ele que se deve tudo aquilo que temos hoje. Foi criado à imagem do Centre Hepato Biliaire do Hospital Paul Brousse, em Paris, e foi em 2005 geminado com este Hospital, numa cerimónia que contou o Prof. Henri Bismuth e com o Ministro da Saúde Português de então. O centro trata doentes com patologia do fígado, das vias biliares e do pâncreas, oferecendo-lhes todas as opções que são possíveis em termos terapêuticos, e é um dos mais ativos da Europa.

O caráter multidisciplinar é fulcral para o sucesso do Centro?

É mesmo o principal fator de sucesso. No início, começou por ser um serviço com a valência da transplantação. Mas, entretanto, evoluímos para um centro de tratamento de doenças hepato-bilio-pancreáticas, com uma abordagem multidisciplinar, em que todos os doentes são discutidos sistematicamente com radiologistas, gastroenterologistas, cirurgiões, oncologistas, na perspetiva de encontrar o melhor tratamento para cada doente.

O que é mais importante para o tratamento dos doentes, e nunca é demais insistir, é o tratamento em centros de referência, que concentrem casuística, para que os doentes sejam tratados em ambiente multidisciplinar, num local com condições infra-estruturais e tecnológicas adequadas e com um equipa experiente no tratamento destas doenças.

Com tanta experiência acumulada na transplantação, a cirurgia tornou-se mais simples?

Os nossos indicadores situam-se ao nível dos melhores centros. Temos um padrão de sobrevivência à volta dos 70% ao fim de cinco anos. Um doente com cancro do fígado tem 70% de probabilidades de ficar curado com um transplante.

De facto, com tudo o que temos aprendido ao longo dos anos, o transplante tornou-se mais simples, aprendemos formas de o simplificar, apesar de ser sempre uma cirurgia complexa. Mas os avanços anestésicos, tecnológicos e técnicos tornam hoje o transplante uma cirurgia razoavelmente segura para muitos doentes. Também o tempo de duração de uma cirurgia de transplante hepático foi sendo reduzido. É importante dizer que, hoje em dia, o processo de seleção e preparação dos doentes também ajudou muito à relativa simplificação da realização dos transplantes.

Mas o transplante é a única esperança para doentes com cancro do fígado?

As terapêuticas mais eficazes para o cancro do fígado são o transplante, a cirurgia de resseção e as terapêuticas ablativas [extração de uma parte do tecido ou órgão]. Estas são as terapêuticas que podemos designar como curativas, sendo o transplante a que garante taxa de cura maior.

Mesmo assim, estas terapêuticas só servem para cerca de 20% dos doentes com carcinoma hepato-celular (cancro do fígado).

Todos os outros doentes precisam de outro tipo de terapêuticas. A terapêutica sistémica é o que mais tem avançado recentemente. Porque antigamente os fármacos tinham pouca eficácia. Hoje em dia, cada vez surgem terapêuticas com melhores resultados. E estes tratamentos podem fazer com que mais doentes estejam em condições de ser elegíveis e canalizados para cirurgias curativas.

Apesar da progressiva eliminação da hepatite C, o cancro do fígado continua a preocupar a comunidade médica?

Nesta doença, sistematicamente, cada vez que nos livramos de um problema, surge outro. Temos já armas para tratar a hepatite B e C, que eram o que principalmente contribuía para o cancro do fígado.

Mas hoje em dia, a maior parte de cancros do fígado em Portugal são causados por cirrose alcoólica. Progressivamente, serão também por doenças ligadas à obesidade. Estima-se, aliás, que as doenças ligadas à obesidade possam vir a ser a primeira causa de cancro do fígado.

O carcinoma hepato-celular mantém-se como o quinto tumor mais frequente do Mundo e é um dos mais letais.

Como estamos ao nível de doação de fígados para transplantes em Portugal?

Somos um dos cinco países com mais dadores. Mas a pandemia afetou esta situação, no pico da pandemia, que foi quase uma tragédia no SNS pelo impacto que teve nos cuidados intensivos. Na altura da primeira vaga, só pudemos transplantar os doentes mais graves. Ficámos com um numero muito reduzido de camas e isso também teve impacto na lista de espera para transplantação. O nosso serviço de cirurgia foi reduzido a cerca de 25% das camas na fase mais acentuada da pandemia.

E como vai ser feita essa recuperação na área das doenças do fígado?

Estamos já a começar essa recuperação e estamos a voltar a níveis prévios à pandemia. Neste momento encontramo-nos a funcionar, em termos de resposta aos doentes oncológicos e mesmo aos não oncológicos, a um nível muito próximo de antes da pandemia. E temos de acelerar essa recuperação ao longo dos próximos meses.

Nos doentes que vos chegam sentem que há situações mais graves motivadas por atrasos durante a pandemia?

Houve um enorme atraso nos meios de diagnóstico, mais do que nos terapêuticos. Muitos doentes não tiveram acesso a exames e quando chegam à nossa consulta vemos muitos tumores avançados. Estamos a pagar um pouco esta fatura por termos um menor acesso dos doentes aos exames. É o que chamamos a pandemia de doentes não Covid.

Muitos deles já não podem ser recuperados. Há situações irrecuperáveis e não são poucas.

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