Diabetes: a prioridade é a prevenção
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Estima-se que cerca de 1,2 milhões de adultos em Portugal vivem com Diabetes. A este número acrescem dados do Relatório Anual do Observatório da Diabetes recentemente divulgado, que registaram um valor de prevalência mais elevado de sempre (14,2% da população portuguesa adulta), num registo contínuo de crescimento.
Perante um cenário que coloca a Diabetes como um dos grandes desafios de saúde pública em Portugal, em entrevista, o presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), José Manuel Boavida, realça que, graças aos avanços na medicina e tecnologia, ter Diabetes não é um impedimento para uma vida plena e produtiva, focando-se no bem-estar no trabalho e na quebra de mitos. E afirma: “A felicidade é possível na vida das pessoas com Diabetes." É com esta mensagem de esperança e desmistificação que a APDP assinala o Dia Mundial da Diabetes.
No âmbito do Dia Mundial da Diabetes, qual é a principal mensagem da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP) para a sociedade portuguesa este ano?
Queremos passar uma mensagem clara à sociedade: a felicidade é possível na vida das pessoas com Diabetes.
Alinhados com o tema global da Federação Internacional de Diabetes – que foca o bem-estar no trabalho e as condições laborais –, a nossa missão é desmistificar muitos dos mitos associados à doença. Graças aos avanços na medicação, tecnologias, cuidados de saúde e à crescente literacia, as pessoas com Diabetes podem hoje constituir família, trabalhar e ter uma vida plena e produtiva. Desde a sua criação sempre foi esse o objetivo da APDP: permitir que as pessoas com diabetes vivam e trabalhem como se não tivessem uma doença.
Para celebrar o Dia Mundial da Diabetes, teremos em Lisboa, em parceria com a Câmara Municipal e o Ginásio Clube Português, a iniciativa “Dançar com a Diabetes”, com o objetivo de ir além da sensibilização: queremos juntar a comunidade para dançar, confraternizar e realçar a importância vital da atividade física e do reforço dos laços afetivos. As pessoas com Diabetes precisam deste apoio e motivação social para vencer as adversidades que a doença lhes impõe. Na sede iremos promover rastreios da diabetes tipo 1 e tipo 2 aos familiares dos nossos associados.
A Diabetes é uma prioridade de saúde pública. Quais são as alterações ou investimentos estratégicos, a nível de política de saúde, que a APDP considera cruciais para que os cuidados de saúde possam dar uma melhor resposta às pessoas com Diabetes?
A Diabetes é, inegavelmente, uma prioridade de saúde pública. Para a APDP, o investimento estratégico crucial passa pela criação de um novo nível de cuidados: as instituições intermédias, focadas na Diabetes.
A clínica da APDP, que é hoje uma referência mundial na prestação de cuidados, serve bem de modelo. O nosso desafio ao Ministério da Saúde é claro: replicar este conceito de integração de cuidados na diabetes por todo o país.
A clínica da APDP, que é hoje uma referência mundial na prestação de cuidados, serve bem de modelo. O nosso desafio ao Ministério da Saúde é claro: replicar este conceito de integração de cuidados na diabetes por todo o país.
Estas unidades atuariam como um elo vital entre os hospitais e os cuidados de saúde primários. A sua estrutura seria composta por equipas multidisciplinares de especialistas em Diabetes – incluindo cardiologia, nefrologia, oftalmologia e cirurgia vascular – reunidos num único espaço. Acreditamos que esta abordagem é a chave para vencer as falhas de resposta dos sistemas atuais. A criação destas equipas intermédias permitiria evitar que milhões de utentes se desloquem aos hospitais para consultas especializadas, gerando um impacto profundo na redução das listas de espera e garantindo uma maior proximidade e coordenação com os cuidados primários.
Na sua opinião, o que é necessário fazer para reforçar a prevenção, otimizar o diagnóstico precoce e garantir uma monitorização e acompanhamento eficaz de todas as pessoas com Diabetes no nosso país?
É evidente que a medicina curativa domina os cuidados em Portugal, o que se reflete, por exemplo, no recurso constante de pessoas com Diabetes às urgências. Para inverter este ciclo e reforçar a prevenç ão, a APDP tem um plano ambicioso: a criação do Instituto de Prevenção da Diabetes. Este Instituto, para o qual já contamos com a disponibilidade de colaboração da Associação Nacional dos Municípios e esperamos a possibilidade de dispor de um espaço próprio, dedicar-se-á a educar e apoiar as pessoas em três áreas cruciais: prevenção da Diabetes Tipo 1, prevenção da Diabetes Tipo 2 e prevenção da obesidade.
No que diz respeito à Diabetes Tipo 1, já rastreámos 10.000 crianças e jovens em apenas um ano, um resultado que inicialmente era esperado ser alcançado em quatro. Com financiamento adicional, pretenderemos continuar este rastreio a crianças, jovens e também adultos. Os resultados do rastreio e os diagnósticos permitir-nos-ão acompanhar as crianças, jovens e adultos para monitorizar o desenvolvimento da Diabetes e determinar as melhores intervenções, incluindo o uso de novos medicamentos que podem prevenir o seu aparecimento.
Quanto à Diabetes Tipo 2, a inação é dramática. Os casos estão a surgir cada vez mais cedo, com pessoas próximas dos 30 anos a desenvolverem uma doença que antes surgia aos 60. Por isso, continuaremos a apostar em programas locais – como as Casas da Diabetes e o programa Gosto – com 'gestores de prevenção' a nível autárquico. O nosso foco é o rastreio, para identificar o risco, seguido de programas de educação essenciais para reverter esta tendência.
Finalmente, a terceira área prioritária é a prevenção da obesidade. Apesar do surgimento e impacto revolucionário de novos fármacos na medicina, persiste a discussão sobre a falta de acesso destes medicamentos. Parece não se reconhecer que temos em mãos uma ferramenta essencial para transformar o panorama da saúde. Não me refiro apenas à Diabetes, cuja principal causa é a obesidade (cerca de 80% das pessoas com diabetes têm obesidade e perdendo peso logo no início, podem entrar em remissão), mas também às doenças cardiovasculares, hipertensão, doença renal, cancro, artroses e cirurgias da anca e do joelho, entre milhares de outras situações que poderiam ser prevenidas através de um trabalho eficaz e contínuo na prevenção da Diabetes.
Ao celebrarmos o centenário da Associação, a nossa esperança é lançar as bases deste Instituto de Prevenção da Diabetes. Esta iniciativa provará que a APDP se mantém com iniciativa, com ideias e dedicação para servir todos os que sofrem, ou podem vir a sofrer de Diabetes.
A inovação tecnológica, como a monitorização contínua de glicose (MCG), tem demonstrado um impacto profundo na qualidade de vida e no controlo metabólico. Do seu ponto de vista, qual é a real diferença que soluções como a MCG fazem no dia-a-dia de quem vive com Diabetes?
Lembro-me de um congresso onde uma enfermeira, utilizando uma bomba de insulina e os primeiros dispositivos de Monitorização Contínua da Glicose (MCG), disse, sem hesitação, que a MCG era mais importante para ela do que a bomba. Acredito que qualquer pessoa diagnosticada com Diabetes deveria usar um dispositivo de MCG por, pelo menos, 15 dias. Esta experiência permitiria compreender a Diabetes com outra profundidade, controlando a variabilidade dos níveis de açúcar em tempo real e observando a sua relação com a alimentação, a atividade física, o stress, e as flutuações da necessidade de insulina. Esta é uma revolução inevitável.
Embora o preço seja um desafio levantado pelo Infarmed, penso que haverá uma forma de demonstrar que a tecnologia é mais barata do que a metodologia tradicional de avaliação da glicemia, de picada de dedo. Pode-se demonstrar que a MCG é mais económica do que o método tradicional de picada de dedo. Mesmo pessoas com pré-Diabetes, enquadradas em sessões de educação, podem aprender como o seu corpo reage a diferentes situações através da MCG. É surpreendente para as pessoas perceberem o impacto de eventos quotidianos, como ver um jogo de futebol ou outras situações de stress, nos seus níveis de glicemia. Isto permite-lhes ajustar a medicação e os comportamentos para um equilíbrio muito maior.
Que visão tem para o futuro da Diabetes em Portugal nos próximos cinco anos?
Atualmente, testemunhamos uma revolução no tratamento da Diabetes, que exige a continuação da investigação para desenvolver fármacos ainda mais eficazes. Nos próximos cinco anos, a inovação trará melhorias nas bombas de insulina, sensores mais precisos e fármacos que alterarão significativamente a história natural da Diabetes. Para a Diabetes Tipo 1, mais de 10 fármacos estão em estudo para uso na fase de pré-Diabetes, com o objetivo de prevenir a sua progressão.
É crucial continuar a introduzir fármacos para a obesidade em fases precoces da Diabetes, dado que a perda de peso significativa pode levar à remissão da doença. No entanto, enfrentaremos o desafio de ir monitorizando milhões de pessoas com obesidade e excesso de peso. A intervenção na obesidade infantil e o foco em jovens e adolescentes também devem ser prioridades.
Nos próximos cinco anos, o nosso trabalho continuará a visar a redução do impacto das complicações da Diabetes e a melhoria da prevenção dos seus vários tipos. Queremos colocar a Diabetes na ordem do dia e transformar a prevenção na grande prioridade de saúde. Embora já possamos tratar bem as pessoas, existe espaço para melhorar e estabelecer a prevenção como a nossa principal meta a atingir para a saúde plena das populações.
NP-PT-00292 Novembro 2025