Portugal é um dos países com maior consumo de álcool per capita e onde os jovens começam a beber muito cedo. A Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF) tem procurado alertar para os efeitos nefastos das bebidas alcoólicas para a saúde em geral e para a saúde do fígado em particular: fígado gordo, hepatite alcoólica e cirrose hepática.
O presidente da APEF, José Presa, é nosso Convidado Especial, numa entrevista onde deixa importantes avisos sobre a permissividade do consumo de álcool entre a população mais nova.
A fotografia é muito má. Um relatório recente da OCD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), em conjunto com dados nacionais, mostra que entre 2015 e 2019 aumentámos o consumo de álcool per capita. Estamos com um consumo médio de 12 litros de álcool per capita por ano, quando a média da OCDE ronda os 10 litros. Estamos muito mal na fotografia. Faço notar que estamos a falar apenas de álcool declarado, que paga impostos. Em várias regiões do país, especialmente nas vitivinícolas, há produção caseira, e essa não é contabilizada. Estes 12 litros per capita serão, por isso, provavelmente mais elevados. É uma imensidão para o que devia ser o consumo de álcool.
Idealmente o consumo devia ser zero. A tendência que devemos ter é zero no consumo de álcool. Mesmo quantidades pequenas consumidas regularmente tem consequências muito nefastas na saúde global e na hepática em particular. Podemos falar em consumo ocasional, a nível social, mas o problema é que muitas vezes esse consumo é muito repetido. Como costumo dizer aos meus doentes…” são muitas festas e ocasiões especiais”.
Infelizmente, a disponibilidade do álcool em Portugal é muito fácil.
Sim, é muito fácil. O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), em conjunto com o Observatório Europeu, mostram que o consumo de álcool em Portugal começa aos 13 anos. São crianças de que estamos a falar. E nessas mesmas idades já existem dados que atestam para episódios de embriaguez, que vão em crescendo até aos 18 anos. Atinge-se depois o ponto preocupante na faixa dos estudantes universitários, onde o consumo dispara.
Temos de facto uma diferença geracional. As gerações mais velhas consomem com mais regularidade, enquanto as mais jovens apresentam um padrão mais de binge drinking, em que há consumo de quantidades brutais de álcool num curto espaço de tempo.
É essencial perceber que os picos de consumo são tão deletérios e prejudiciais como o consumo regular.
No caso dos mais jovens é muito importante perceber como é feita a fiscalização em Portugal ao consumo ilegal por parte dos menores de idade. Os dados do SICAD também mostram que em cerca de 12 mil atividades de fiscalização só resultaram 36 contraordenações por parte de consumo de álcool em menores de idade. Isto é um número ridículo e mostra a permissividade das próprias autoridades perante o consumo de álcool.
Não se assumo que o consumo de álcool é altamente prejudicial e ele continua a ser socialmente aceite.
Sabemos que o consumo de álcool vai levar, já em 2050, a uma redução dos anos de vida da população portuguesa. E vai fazer aumentar os gastos em saúde e conduzir a uma diminuição do PIB. Se olharmos para estes dados no sentido de repercussão futura, temos a obrigação de começar a agir já!
Segundo os dados nacionais, em 2019 foram registados 38.122 internamentos hospitalares, com diagnóstico principal e/ou secundário atribuíveis ao consumo de álcool, envolvendo mais de 28 mil pessoas. E em 2018 morreram 2.493 pessoas por doenças atribuíveis ao álcool, 26 por cento das quais por doenças atribuíveis a doença alcoólica do fígado. O consumo de bebidas alcoólicas por parte dos jovens, sobretudo relacionado com a vida noturna e social, é também preocupante e motivo de intervenção por parte das autoridades reguladoras. Temos de agir e devemos ter tolerância zero para com o consumo de álcool.
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