Cancro do Fígado: É fundamental diagnosticar mais cedo
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O Carcinoma Hepatocelular (CHC) é o cancro do fígado mais comum e está associado a uma mortalidade crescente em Portugal, representando um desafio oncológico significativo.
É nosso Convidado Especial o gastrenterologista e hepatologista Mário Jorge Silva, Editor-Chefe da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF), que sublinha que a gravidade e o prognóstico da doença dependem drasticamente da fase do diagnóstico.
A mensagem principal é de esperança: se for detetado precocemente, o tratamento curativo é uma forte possibilidade. No entanto, o atraso no diagnóstico, comum em cerca de 50% dos casos devido à evolução silenciosa, compromete esta oportunidade, tornando o rastreio em doentes com cirrose hepática - o principal fator de risco - uma necessidade incontornável.
O carcinoma hepatocelular (CHC) é um dos tipos mais comuns de cancro do fígado e tem elevada mortalidade. Como contextualizamos a gravidade desta doença e os seus principais fatores de risco para a população em geral?
O carcinoma hepatocelular (CHC) é o tipo mais comum de cancro do fígado e está associado a uma mortalidade crescente nos últimos anos em Portugal.
É uma doença oncológica cuja gravidade e prognóstico depende, entre outros, da fase em que é diagnosticada. Se o CHC for diagnosticado precocemente, poderá ter tratamento curativo. No entanto, se diagnosticado em fases avançadas, o prognóstico é muito mais desfavorável.
Esta neoplasia tem a particularidade de, na maioria dos casos, se desenvolver num fígado com cirrose. A cirrose hepática é, na verdade, o principal fator de risco para o desenvolvimento de CHC.
Doenças do fígado como a doença hepática associada ao álcool, a doença hepática associada à disfunção metabólica (frequentemente designada de “fígado gordo”), a hepatite B crónica e/ou a hepatite C crónica são causas de cirrose e constituem fatores de risco importantes para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular.
O risco dos doentes com cirrose hepática desenvolverem CHC é tão elevado que está recomendado que sejam submetidos a rastreio específico desta neoplasia. Por isso mesmo, todos os doentes com cirrose hepática deverão ser seguidos em consulta especializada.
Em termos de prevenção, o que pode cada um de nós fazer para evitar ou prevenir doenças do fígado?
A prevenção das doenças do fígado consiste em evitarmos comportamentos que nos coloquem em risco de adquirir essas doenças, ou em risco de que essas doenças evoluam para formas avançadas.
Assim, é recomendável, entre outros:
não consumir bebidas alcoólicas (o consumo de álcool, além de prejudicial ao fígado, está também associado a múltiplas outras doenças graves de outros órgãos);
manter uma dieta equilibrada e estilo de vida saudáveis, incluindo exercício físico regular;
não partilhar instrumentos potencialmente contaminados com sangue;
manter um seguimento médico regular.
Este seguimento médico permitirá, entre outros:
o rastreio e tratamento de doenças que predispõem a doenças do fígado (por exemplo a diabetes, o colesterol elevado, a hipertensão arterial ou a obesidade);
o cumprimento do Programa Nacional de Vacinação;
o diagnóstico precoce de doenças do fígado e respetivo tratamento.
Recentemente foi realizado o primeiro estudo sobre o custo e a carga desta doença em Portugal. Que fatores motivaram a necessidade de quantificar o impacto do carcinoma hepatocelular no nosso país?
O objetivo deste estudo, iniciado em 2022, foi estimar a potencial carga e custos do CHC em Portugal nos anos de 2023 a 2027, na condição de todos os novos casos de CHC serem tratados de acordo com as recomendações vigentes à data de início do estudo.
Esta estimativa pode ser relevante para o desenho e implementação de estratégias com o objetivo de reduzir a carga (e o custo) da doença.
O estudo projeta um aumento do número de casos em Portugal, de 4.151 em 2023 para 4.851 em 2027. O que está na origem deste aumento previsto da prevalência de CHC?
Foi estimado, através de um modelo, um aumento do número de novos casos de CHC diagnosticados a cada ano. Tal crescimento poderá estar relacionado com a prevalência de cirrose hepática e sua progressão silenciosa com desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, assim como pela maior sobrevida dos doentes com cirrose que lhes permitirá viver mais tempo e, portanto, estar mais tempo “em risco” de desenvolver CHC.
Por outro lado, prevê-se também que se somem a estes novos casos diagnosticados anualmente, os doentes com CHC diagnosticado em anos anteriores e que permanecem vivos: seja com o CHC previamente tratado, seja sob tratamento para o CHC.
Cerca de 50% dos doentes são diagnosticados em fases avançadas. Porque é que o diagnóstico tardio é tão comum nesta doença e que consequências acarreta para os doentes?
O diagnóstico tardio é um problema em múltiplas doenças, e o CHC não é exceção.
O CHC evolui geralmente de modo silencioso, sem que o doente desenvolva queixas ou se aperceba da doença: o que leva a que a neoplasia possa ser diagnosticada apenas em fases avançadas. Esta situação ocorre mais frequentemente em doentes em que se desconhecia o diagnóstico de cirrose e nos quais, por esse motivo, não estava a ser realizado o rastreio de CHC.
É fundamental identificar precocemente os doentes com cirrose hepática e doença hepática avançada, que muitas vezes é completamente assintomática!
Nos doentes com cirrose, deve ser realizado o rastreio do CHC.
O rastreio de CHC está associado à identificação mais precoce da neoplasia e, consequentemente, a uma maior probabilidade de tratamento curativo.
O conceito de "anos de vida perdidos por mortalidade prematura" é um dos indicadores mais fortes do impacto humano de uma doença. O que significa, na prática, a projeção de que se irão perder, em estimativas, mais de 120.000 anos de vida em Portugal por causa desta doença entre 2023 e 2027?
Os “anos de vida por mortalidade prematura” calculados neste estudo correspondem ao somatório de anos de vida perdidos à idade ao óbito por CHC, comparativamente à esperança de vida na população geral.
Muitos doentes com CHC morrem precocemente devido à doença, o que se traduz neste elevado impacto de anos de vida perdidos.
Quais as mensagens que considera mais importantes para combater as doenças do fígado e mitigar o seu impacto?
Penso que as principais mensagens consistem no apelo à prevenção das doenças do fígado através da evicção do consumo de bebidas alcoólicas, adoção de dieta e estilos de vida saudáveis, evicção de comportamentos de risco para infeção pelos vírus da hepatite B e C, assim como manutenção de seguimento médico regular.
Os próprios doentes, no caso de identificarem, na sua história de vida, algum fator de risco para doença hepática, deverão partilhar essa informação com o seu médico para que sejam devidamente avaliados.
Nos doentes com doença hepática estabelecida, esta deve ser diagnosticada o mais precocemente possível, para ser rapidamente instituída a respetiva terapêutica e os rastreios necessários.