Entrevista – Teresa Moreno, neuropediatra

Em mais de duas décadas dedicadas à neuropediatria, a médica Teresa Moreno perdeu mais de 20 crianças para a Atrofia Muscular Espinhal, por ausência de um tratamento eficaz ou modificador da doença.

Mas a ciência e a investigação clínica estão a abrir um caminho revolucionário e de esperança para famílias e crianças que poderiam morrer até aos dois anos, nunca chegando sequer a sentar-se ou a caminhar.

Entrevistámos a neuropediatra Teresa Moreno, numa conversa sobre a Atrofia Muscular Espinhal, em que a mensagem-chave é clara: é preciso diagnosticar estes casos precocemente, para conseguir tratar o mais eficazmente possível estas crianças, aproximando-as da normalidade.

É uma doença degenerativa neuromuscular, em que ambos os pais, embora saudáveis, são portadores da doença ( doença genética recessiva) com uma incidência de cerca de um caso em 6 mil a 10 mil nascimentos. É ainda a mais mortal das doenças autossómicas recessivas.

Atinge o corno anterior da medula e carateriza-se pela perda progressiva do neurónio motor.

É importante sublinhar que estamos a falar de crianças que são cognitivamente normais, bastante vivas e até intelectualmente brilhantes.

Há essencialmente quatro tipos de classificação clínica. No tipo 1, o mais grave, as manifestações começam durante o primeiro mês de vida e os bebés nunca chegam sequer a sentar-se. Geralmente, a sobrevivência não ultrapassava os dois anos.

No tipo 2, as crianças nunca atingem a marcha independente. No tipo 3, atinge-se a marcha independente, mas perde-se ao longo da vida.

Já o tipo 4, um dos mais raros e que representa 5% do total de casos, inicia-se na idade adulta, mas geralmente não há perda de marcha, apesar de haver problemas associados a fraqueza muscular.

O tipo 1 é responsável por cerca de metade de todos os casos de AME. As terapêuticas, até há poucos anos, eram dirigidas sobretudo aos cuidados paliativos e a medidas de conforto. Até porque 90% dos meninos morriam durante o primeiro ano de vida. É uma doença bastante dramática.

Sem dúvida. Já temos terapias modificadoras da doença, o que trouxe uma mudança enorme no acompanhamento destes doentes.

Há cerca de três anos surgiu a primeira terapia modificadora da doença. Foi uma revolução, apesar de ser um tratamento invasivo por punção lombar e de não ser de toma única.

Um ano depois deste, surgiu a primeira terapia génica em todo o mundo, o que foi verdadeiramente revolucionário, sendo endovenoso e numa única administração.

Está em processo de aprovação outra terceira terapia com uma enorme vantagem de administração, que é oral e que pode ser administrada em casa. No fundo, é um xarope de toma diária.

Todos apresentam uma evolução muito favorável e ainda sem qualquer perda de eficácia desde os primeiros doentes tratados.

É muito relevante sabermos que há, em todas estas terapêuticas, ensaios clínicos a decorrer em doentes pré-sintomáticos. São doentes que, ao nascer, se sabe que têm a doença e que são submetidos a tratamento antes de qualquer sintoma. Os resultados preliminares destes ensaios são fantásticos, porque os doentes adquirem um desenvolvimento semelhante a qualquer criança da sua idade. Sentam-se na idade em que é normal, adquirem a marcha, etc. Crianças que até aqui morriam até ao 1 ou 2 anos… Isto é verdadeiramente revolucionário.

O tempo é de facto crucial. Quanto mais rápido pudermos intervir, mais normal poderá ser a criança. Cremos que é uma urgência introduzir a Atrofia Muscular Espinhal no “teste do pezinho”, o rastreio neonatal, feito dias após o nascimento de todos os bebés em Portugal.

Primeiro, o país terá de avançar com um estudo piloto durante um ano, que é o que está determinado pela legislação. Mas é um apelo importante: incluir a Atrofia Muscular

Espinhal no teste do pezinho para detetar precocemente todas as crianças. Se investimos a tratar estes doentes, devemos tratá-los o mais cedo possível.

É mesmo crucial se queremos colocar estas crianças o mais próximo possível da normalidade. É certo que o futuro está em aberto e ninguém pode saber ao certo o efeito a longo prazo destas terapias. Mas, tratando precocemente, podemos fazer com que, dentro de poucas décadas, deixemos de ver a clinica habitual desta doença altamente degenerativa. E isso pode ser feito já com esta nova geração de doentes. Estamos realmente a modificar a evolução da doença e quanto mais precoce for o tratamento, mais significativa será essa evolução.

Por vezes parece uma evolução digna de um filme de ficção científica. E representa viver momentos emocionantes, com doentes maravilhosos e desafiantes. Todas as famílias me enviam quase diariamente mensagens em vídeo com novas coisas que estes meninos já conseguem fazer. Meninos que não tinham qualquer expressão verbal e que vemos a cantar e a refilar, às vezes em grandes gritos. Outros que se conseguem sentar ou levantam os braços e assim os mantêm. Várias novas aquisições. Fica-se mesmo feliz e entusiasmado por estar a viver este momento.

É difícil de gerir, sim. Porque os meninos tratados até agora, quando já tinham sintomas, não ficam normais. Isto não é uma cura para a doença e é preciso reforçá-lo. São crianças que continuarão dependentes. Mesmo os que adquirem marcha precisarão de muito acompanhamento, de fisioterapia, alguns de ventilação, etc. Não é um tratamento mágico. Claramente há uma evolução, mas não é uma cura.

Mas quando os tratamentos forem pré-sintomáticos (através do rastreio neonatal), muitos dos doentes ficarão quase próximos da normalidade.

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