“Abraçar uma carreira internacional implica ser-se tolerante, ágil e adaptável”

Paulo Fontoura, Basileia

Inauguramos a nossa rubrica “Portugueses pelo Mundo” com Paulo Fontoura, que é “Senior Vice-President and Global Head of Clinical Development” da área das Neurociências e Doenças Raras na Roche a nível global.

A área de Neurociências e Doencas Raras tem crescido de forma muito significativa na última década e é uma das maiores apostas de inovação e desenvolvimento da Roche. O departmento de Neurociências e Doenças Raras tem uma grande pegada global, com dezenas de médicos e cientistas espalhados por vários pontos - São Francisco, Basileia, Welwyn e Xangai - e trabalha num dos maiores pipelines de novas terapêuticas em desenvolvimento clínico na indústria farmacêutica.

Neurologista de formação, Paulo Fontoura nasceu e estudou em Lisboa, mas a sua carreira já passou por outros dois países. Primeiro esteve nos Estados Unidos, onde fez o seu trabalho de doutoramento na Universidade de Stanford, na Califórnia, e agora na Suíça, onde vive em Basileia, desde 2008, quando começou a trabalhar na Roche.

Nasceu e cresceu numa família embebida sobretudo na área das Humanidades, mas desde muito cedo, em criança, era notória a sua apetência pela Ciência.

“Sempre, desde pequeno, adorei saber como as coisas funcionavam, gostava imenso de programas sobre a Natureza e sobre descobertas científicas, lia muitas revistas científicas e entusiasmavam-me artigos sobre Ciência. Sou uma daquelas crianças que cresceu fascinada pelo “Cosmos” do Carl Sagan. Coisas que os meus pais até achavam um pouco absurdas para aquela idade”.

A influência mais humanista do Direito, da Literatura e da Filosofia fizeram-no derivar para a parte da Ciência mais ligada ao contacto com o ser humano. E a Medicina acabou, assim, por ser uma escolha natural, também influenciada pelo forte desígnio familiar de “fazer coisas pelos outros”.

Este híbrido entre o cientista e o humanista foi igualmente o motor para que Paulo Fontoura entrasse no mundo da investigação e conjugasse a carreira académica com a clínica. E, dentro da Medicina, a opção pela Neurologia como área de especialização foi de algum modo fruto dessa mescla entre entre o interesse por problemas científicos complexos e o impacto que tem na vida das pessoas:

“A escolha da Neurologia acabou por ser uma conjugação de várias coisas. Por um lado, o fascínio pelo mistério que é o cérebro humano. Mesmo hoje ainda estamos muito longe de ter alguma compreensão significativa do seu funcionamento. Por outro lado, porque o cérebro é o que faz de nós o que nós somos, dita a nossa identidade, as nossas memórias, sonhos, relações com os outros”.

 

O arranque da carreira internacional

Foi precisamente a meio do internato da especialidade, realizado no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, que surgiu uma oportunidade que lhe viria a influenciar toda a carreira. Partiu para a Califórnia, para a Universidade de Stanford, onde esteve a fazer investigação em Esclerose Múltipla com Lawrence Steinman, um dos líderes mundiais nesta área.

A experiência em Stanford seria para durar seis meses. Paulo Fontoura acabou por lá ficar três anos. Durante esse período confirmou a sua paixão pela ciência e pela investigação, mas também se abriram os horizontes para o papel que a biotecnologia estava a ter na criação de novas terapêuticas. No ambiente dinâmico do Silicon Valley, vários dos seus colegas de laboratório seguiram os seus sonhos científicos criando novas empresas.

Os Estados Unidos foram a primeira etapa de uma carreira internacional, mas que ainda teve uma escala em Portugal. Depois de concluída a especialidade, trabalhou durante mais de quatro anos como neurologista no Hospital de Setúbal, mas sem nunca deixar a ligação à Faculdade e à investigação.

A sua entrada na Roche, em 2008, acabou por ser quase uma filha direta da experiência de trabalho nos Estados Unidos, que tinha resultado em vários trabalhos com impacto e algumas patentes sobre novas tecnologias, como vacinação com ADN para tratar doenças autoimunes.

Foi trabalhar diretamente para a sede da Roche, em Basileia, num momento em que a área das Neurociências estava em reorganização na empresa, e havia necessidade de médicos-cientistas para ajudar a criar a nova estratégia e construir um pipeline de novas moléculas de investigação. Desde então, nunca mais olhou para trás e, ao longo dos 12 anos seguintes, aproveitou ao máximo a oportunidade e os recursos disponveis para ajudar a revolucionar e a fazer crescer o seu departamento, que passou a incluir toda a área das Doenças Raras a partir de 2014.

Prosseguir uma carreira pelo Mundo pode ser um sonho para muitos e é uma questão de oportunidade para alguns, mas torna-se indispensável apurar também a bagagem emocional.

“Para se ingressar numa carreira internacional, é necessário ter abertura a experiências novas e perceber que, depois de se entrar neste círculo, há uma sensação de desconforto emocional que nos acompanha sempre, até quando se regressa ao país de origem.  Ficamos culturalmente híbridos. Há até referências a uma síndrome do expatriado. Uma pessoa depois já não se sente totalmente bem em nenhum lado. Cria-nos esta inquietude de saber que o mundo é muito maior. É preciso saber conviver com isso e aceitar que há um ligeiro desconforto que nos acompanha sempre, mesmo depois de voltar a casa. Temos de saber aceitá-lo como parte deste pacote. Abraçar uma carreira internacional implica ser-se tolerante, ágil e adaptável a outras culturas, a outras práticas, a línguas novas. É preciso também alguma resiliência, até porque o ritmo de competição é maior quando saímos do nosso campeonato local.”

 

Como são os portugueses pelo mundo?

Resiliência é uma caraterística que Paulo Fontoura associa aos portugueses, que crescem a compreender que as coisas à sua volta nem sempre funcionam bem, desenvolvendo paciência, capacidade de adaptação e de improvisação de soluções para ultrapassar dificuldades. Somos flexíveis, ágeis, conseguimos adaptar-nos rapidamente a mudanças e arregaçamos as mangas para encontrar soluções para os problemas.

E o que mais podemos destacar nos portugueses, estejam eles que em parte do Mundo estiverem?

“A nossa cultura privilegia algumas coisas que se refletem na forma como trabalhamos. Privilegiamos o contacto interpessoal, a camaradagem, a conversa, o meio social. Isso tem muitas vantagens. Penso que somos bons membros de uma equipa, gostamos de trabalhar em conjunto e não somos muito individualistas. O lado sombra dessa nossa parte gregária é que temos dificuldades em tomar decisões e partir para a frente. Queremos continuamente falar, debater e consultar toda a gente. Gostamos de criar relações sociais muito fortes, mas há alturas em que é preciso decidir e seguir em frente, cortar a direito. Penso que temos dificuldade de quebrar unanimidades. Outro aspeto é a nossa capacidade de integração noutras culturas. Nós temos uma cultura muito forte e quase milenar, mas não fazemos disso uma barreira fechada; somos abertos e integramo-nos”.

Paulo Fontoura salienta que as generalizações são muitas vezes perigosas e injustas. Mas admite que consegue vislumbrar estes traços comuns em muitos dos compatriotas que tem encontrado pelo Mundo. Até porque, quando dois portugueses se encontram em qualquer lugar do Globo, há um notável sentimento de reconhecimento mútuo, acompanhado por uma solidariedade quase inata.

E em Basileia há muitos portugueses, que acabam por se juntar com frequência em momentos bastante apreciados na nossa cultura: sentar à mesa a conviver.

De Portugal, Paulo sente saudades, sobretudo, do calor social.

“Saudades da família, dos amigos, da rede de apoio e de carinho. Somos empáticos e carinhosos e sentimo-nos como envolvidos num manto quente de amizade quando regressamos a casa. Há um apego emocional que é insubstituivel, porque temos as nossas raízes onde nascemos e crescemos”.

 

Assista a um excerto do depoimento de Paulo Fontoura