Okan Ekinci
Os sistemas de saúde em todo o mundo estão a enfrentar uma grave escassez de profissionais que pode ter implicações significativas, especialmente para os doentes.
As soluções digitais para a saúde podem ajudar a atenuar a escassez de profissionais nesta área, assumindo tarefas administrativas e de baixo valor e apoiando fluxos de trabalho mais eficientes.
Para uma adoção e utilização bem-sucedidas, das soluções de saúde digitais, as instituições de saúde precisam do conjunto certo de parceiros para ajudar a gerir a mudança tecnológica.
Os sistemas de saúde em todo o mundo estão a enfrentar uma grave escassez de profissionais, um fenómeno que o The Guardian descreveu recentemente como "uma bomba-relógio".1 O último inquérito da Becker's Physician Leadership mostra que os responsáveis do sector da saúde referem a escassez de profissionais como a principal preocupação dos sistemas de saúde.2 A Organização Mundial de Saúde (2022) estima que haverá uma escassez mundial de 15 milhões de profissionais de saúde até 2030.3 Só nos EUA, 100.000 enfermeiros deixaram o mercado de trabalho entre 2020 e 2021, muitos dos quais com menos de 35 anos.4
A falta de pessoal no setor da saúde tem muitas causas. Uma delas é o efeito demográfico causado pelo grande número de pessoas da geração "baby boomer" que se reformam. Outras estão relacionadas com a medicina, por exemplo, o aumento das doenças não transmissíveis e a recente pandemia de COVID-19. Todos estes fatores contribuíram para o aumento da necessidade de cuidados e simplesmente não há oferta suficiente para satisfazer a procura. Ao mesmo tempo, os profissionais mais jovens estão a abandonar o setor da saúde devido ao desgaste e à baixa satisfação profissional.
A escassez de profissionais de saúde tem implicações significativas para todos os intervenientes no ecossistema de cuidados de saúde, incluindo os doentes. Como não há trabalhadores suficientes para realizar as tarefas básicas e necessárias, os restantes profissionais de saúde enfrentam uma carga de trabalho mais pesada, com muitas tarefas que, muitas vezes, não se enquadram naquilo para que foram formados e querem fazer. Nos EUA, estima-se que os médicos gastam um sexto do seu tempo em tarefas administrativas.5 Esta situação contribui para níveis mais elevados de desgaste e menor satisfação no trabalho, o que, por sua vez, leva a que mais profissionais se demitam, perpetuando assim um ciclo vicioso de escassez de profissionais.5,6
Como é que isto afeta os doentes ? O primeiro impacto óbvio é o aumento dos tempos de espera causado por fluxos de trabalho ineficientes. De acordo com o Richard Hammer, vice-diretor de patologia da Universidade do Missouri, os doentes muitas vezes não conseguem que as chamadas telefónicas sejam atendidas. Quando as chamadas são atendidas, podem ser informados de que não existem consultas disponíveis durante, pelo menos, três meses, o que, para muitas pessoas e doenças, é demasiado tempo para esperar.
A falta de profissionais também representa um encargo financeiro para os sistemas de saúde. Com uma oferta tão reduzida de profissionais de saúde, os sistemas têm de gastar mais para contratar e reter profissionais. Dito isto, se não houver pessoal suficiente com as competências e conhecimentos adequados para realizar o trabalho, nem mesmo os recursos financeiros avultados podem resolver o problema.
Se a questão da falta de profissionais não for resolvida, a sustentabilidade a longo prazo dos nossos sistemas de saúde e a sua produtividade para prestar melhores cuidados aos doentes estarão em risco. Este não é um desafio fácil de resolver, e as soluções inovadoras serão fundamentais para preencher o vazio causado pela escassez de pessoal.
As soluções de saúde digitais em diferentes áreas da prestação de cuidados têm demonstrado libertar os profissionais de saúde de tarefas administrativas e de baixo valor e apoiar fluxos de trabalho mais eficientes.7,8 Perante o desafio crescente de encontrar o profissional certo, as organizações de saúde devem investigar de que forma estas soluções de saúde digitais podem ajudar a reter e apoiar os profissionais e trazer fluxos de trabalho mais inteligentes e eficientes para a sua organização.
Os enfermeiros e os coordenadores de cuidados estão entre os profissionais de saúde mais difíceis de reter ou contratar .9 No entanto, atualmente, é-lhes pedido que executem e giram manualmente tarefas que as soluções digitais poderiam ajudar a apoiar. No que diz respeito à prestação de cuidados de saúde, existem três desafios principais:
A gestão de dados obtidos em muitos locais, dentro e fora do ambiente hospitalar, e depois a transferência de forma segura para o registo de saúde eletrónico (RSE) do doente
A gestão e monitorização de dispositivos de diagnóstico utilizados nas enfermarias do hospital, nos centros de cuidados ambulatórios ou nas urgências
A gestão dos próprios profissionais, assegurando que estes têm a devida formação e estão atualizados para realizar os testes de diagnóstico nos doentes
Quando se trata da gestão de dados, a maioria dos enfermeiros leva um computador portátil para a cabeceira do doente para introduzir os dados no registo de saúde eletrónico (RSE) ou escreve-os num post-it e introduz os dados mais tarde no RSE do paciente. Ambos os métodos estão associados a encargos administrativos desnecessários (introdução manual de dados) e também a uma elevada taxa de erro. É aqui que as soluções digitais podem ajudar. E se um enfermeiro pudesse transmitir diretamente os resultados de um de dispositivo de diagnóstico para o RSE sem necessidade de qualquer transferência manual de dados?
No caso da gestão de dispositivos, um grande sistema hospitalar pode ter entre 1000 e 1500 dispositivos de diagnóstico portáteis, como um medidor de glicemia – para não falar de outros dispositivos – espalhados por várias áreas do hospital. A existência de vários dispositivos dificulta a gestão de atualizações de software, o que leva a que estes fiquem desatualizados. Não só esta situação está associada a riscos de segurança óbvios, como também, nestas situações, os enfermeiros podem ter de procurar um dispositivo num piso ou local diferente porque o dispositivo disponível no seu piso pode não estar a funcionar corretamente. Situações destas também retiram tempo precioso ao enfermeiro para interação e cuidados ao doente . E se estes dispositivos pudessem simplesmente receber atualizações remotamente – de forma segura e em tempo útil – com pouca interação de cada enfermeiro?
Por último, na realização de testes point of care, a gestão do profissional é sempre um grande desafio. A razão para tal é que apenas profissionais com formação podem realizar estes exames, mas muitos dos sistemas atuais dificultam o registo das certificações de cada enfermeiro.
Atualmente, já existem soluções digitais para point of care que simplificam muitas das tarefas repetitivas e de baixo valor, como a transferência de dados, atualizações de software e gestão de certificação de profissionais.10 Soluções Cloud-based permitem que os dados sejam transferidos, sem problemas, do dispositivo para o RSE. Estas soluções permitem a gestão descentralizada dos testes, libertando simultaneamente o tempo do profissional de saúde, o que, de facto, resulta em mais tempo para os cuidados centrados no doente.
De acordo com Matt Manley, Vice-Presidente da Digital Healthcare Solutions da Roche Diagnostics, os exemplos acima ilustram como "a não utilização de soluções digitais coloca uma maior carga administrativa num recurso crítico que já está sobrecarregado". A automatização através das soluções digitais, permite reduzir a carga dos profissionais de saúde e liberta-lhes tempo para fazerem o que sabem fazer melhor, ou seja, cuidar dos doentes.”
Há muitas inovações interessantes a caminho para testes de point of care, incluindo o primeiro medidor de glicemia inteligente de próxima geração, que funciona numa plataforma Android, fácil de usar, alargando a utilização do dispositivo além da medição da glicemia, a serviços como a gestão de feridas, a dosagem de insulina e a gestão contínua da temperatura, entre outros.11 Estes dispositivos podem ajudar ainda mais os enfermeiros, simplificando os seus fluxos de trabalho e reduzindo , potencialmente, alguma da pressão em termos de tempo e de tarefas que enfrentam no sistema atual.
As soluções digitais fizeram uma enorme diferença ao nível da oncologia. Os cuidados oncológicos são complexos e os avanços científicos mais recentes permitem tratamentos mais personalizados do que nunca. No entanto, estes avanços também criam complexidades, levando a que muitas especialidades estejam envolvidas na definição das vias de tratamento para cada pessoa .
O Ellis Fischel Cancer Center da Universidade do Missouri é um dos principais centros académicos dos Estados Unidos, onde as decisões de tratamento oncológico são tomadas por 12 grupos multidisciplinares de subespecialidades oncológicas . Em 2018, uma equipa coordenada por Richard Hammer foi pioneira na implementação de uma solução digital de apoio à tomada de decisões e à documentação de decisões nestes grupos de oncologia multidisciplinares.
A Universidade do Missouri repensou a forma de gestão destes grupos e implementou uma solução de saúde digital para os apoiar.12 Os resultados foram impressionantes. As funções administrativas que anteriormente eram asseguradas por doze pessoas diferentes passaram a ser asseguradas por apenas uma pessoa – um enfermeiro responsável. Com a utilização da solução de saúde digital, o tempo de preparação deste enfermeiro responsável diminuiu 90% e o tempo de preparação geral de todos os envolvidos foi reduzido em 50%. A instituição poupou 300.000 dólares em quatro destes grupos de oncologia multidisciplinares.7,8
Além de aumentar a eficiência operacional, a equipa encontrou outros benefícios, inesperados, com a implementação de uma solução digital nos seus fluxos de trabalho. Quando a pandemia da COVID-19 chegou e os médicos deixaram de poder estar na mesma sala ao mesmo tempo, a Universidade do Missouri já estava na linha da frente por toda esta experiência digital acumulada. Uma vez que a solução digital para estes grupos de oncologia multidisciplinares de oncologia são browser-based , os médicos podem ligar-se remotamente. De acordo com Richard Hammer, os médicos da Universidade do Missouri não querem voltar ao que era antes da pandemia. O facto de terem a flexibilidade de trabalhar a partir de casa aumentou a sua satisfação profissional.
Para implementar com êxito as soluções de saúde digitais, é essencial trabalhar em equipa com parceiros que compreendam as complexidades dos cuidados de saúde e que transponham essa compreensão para a tecnologia. Os prestadores de cuidados de saúde digitais devem dedicar algum tempo a compreender os fluxos de trabalho atuais dos seus clientes e fornecer soluções de saúde digitais que resolvam as suas necessidades. Um dos maiores desafios na adoção de tecnologia é ajudar as pessoas a adaptarem-se a uma nova forma de trabalhar. A gestão da mudança é tão importante como a implementação técnica.
Quando uma nova tecnologia entra em cena, parte das pessoas adotam-na precocemente, enquanto outros a adotam tardiamente ou não a adotam de todo. Algumas pessoas podem não estar familiarizadas e sentirem-se desconfortáveis com a utilização de novas tecnologias e outros não estarem tão interessados em aprender novas formas de trabalhar. A equipa de TI pode desempenhar um papel importante para ajudar os profissionais a adotar novas tecnologias, mas nas instituições de saúde a equipa de TI também não dispõe de pessoas suficientes e não está necessariamente preparada para formar outras equipas em novas formas de trabalho.
É por isso que é vital ter uma equipa especificamente dedicada à gestão da mudança. Esta equipa poderá apoiar os profissionais na adoção e utilização de soluções de saúde digitais. A transformação digital, em última análise, é a transformação das pessoas. As instituições bem-sucedidas reconhecem que a transformação digital exige uma mentalidade aberta para a melhoria contínua – em ciclos. As equipas que conseguem alterar e otimizar rapidamente os fluxos de trabalho clínico, as funções e as responsabilidades para adotar novas ferramentas digitais demonstram uma competência a que chamo "agilidade clínica". Transformam a mudança numa oportunidade através da colaboração, da capacitação, da capacidade de resposta e da tomada rápida de decisões. A longo prazo, estas equipas tornam-se mais resilientes.13
A falta de profissionais nos cuidados de saúde não é apenas um inconveniente. A situação atual constitui uma crise com implicações importantes para todas as partes envolvidas e, muito especialmente, para a prestação de cuidados aos doentes. O problema não vai desaparecer e as instituições de prestação de cuidados de saúde devem abordar a utilização da tecnologia com uma mentalidade aberta – e aceitar a ideia de que a utilização de mais tecnologia, e não de menos, ajudará efetivamente a reduzir e a inverter esta questão da escassez de profissionais.
As soluções de saúde digitais podem ajudar a gerir a complexidade, reduzir os custos administrativos, racionalizar os fluxos de trabalho e, de um modo geral, reduzir alguns dos problemas causados pela falta de profissionais. Estas soluções servem para facilitar a vida a todas as partes envolvidas, desde os administradores e profissionais de saúde, até aos doentes e aos seus cuidados. É por isso que a implementação de soluções digitais é do melhor interesse de todos.
Esta mudança, no sentido da adoção de mais tecnologia, representa uma oportunidade para os líderes destas organizações de saúde e das suas instituições colaborarem com os parceiros certos para gerir a adoção e a utilização de soluções de saúde digitais na melhoria da prestação de cuidados aos doentes e aumentar a satisfação dos profissionais de saúde, reduzindo simultaneamente os custos. Deste modo, os seus profissionais de saúde poderão concentrar-se mais no seu principal objetivo e tarefa, que é o de prestar e oferecer os melhores cuidados possíveis aos doentes.
Referências
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Roche. (2022). Webinar disponível em https://www.youtube.com/watch? v: Wl9rjtRJC4s [Acedido em Janeiro de 2023]
Hammer et al. (2021). Health and Technology 11, 525-533
Bombardieri and Zhavoronkova. (2022). Artigo disponível em https://edition.cnn.com/2022/07/20/opinions/nursing-shortage-covid-hospitals-bombardieri-zhavoronkova/index.html [Acedido em janeiro de 2023]
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