Parte de
Tim Ringrose
A Organização Mundial da Saúde (OMS) sublinhou o papel fundamental da literacia em saúde, apelando a sistemas que permitam às pessoas participar ativamente nos seus cuidados de saúde e que envolvam os doentes na tomada de decisão
A baixa literacia em saúde dificulta a tomada de decisões partilhadas, existindo evidências que comprovam um impacto direto na adesão ao tratamento e nos resultados de saúde
Existem algumas iniciativas bem sucedidas, como o programa “Kidney Essentials: CKD”, que demonstram o potencial das ferramentas digitais para melhorar a compreensão e promover cuidados de saúde centrados nos doentes
As organizações de cuidados de saúde podem tomar uma série de medidas importantes para aumentar os níveis de literacia em saúde, ajudar as pessoas a desempenhar um papel mais ativo nos seus próprios cuidados de saúde e começar a envolver os doentes no processo de tomada de decisão.
As organizações devem ser capazes de comunicar com os doentes utilizando a linguagem certa, com palavras e termos que os doentes compreendam. Em muitos casos, isto implicará a tradução de termos técnicos para uma linguagem leiga mais acessível. Noutros cenários, isso significará garantir que as informações são partilhadas noutros idiomas além do inglês.
É também crucial que as organizações, à medida que começam a envolver os doentes na tomada de decisão, prestem atenção aos meios de comunicação utilizados para divulgar as informações e que seja utilizada uma combinação adequada de métodos novos e antigos.
O estabelecimento de relacionamentos sólidos com parceiros em todo o ecossistema de saúde, incluindo doentes e cuidadores, ajudará as organizações a obter o conhecimento de que precisam para desempenhar um papel fundamental no reforço das taxas da literacia em saúde.
É evidente que a concessão a todas as pessoas do direito de participar na sua saúde e nos cuidados de saúde depende em grande medida da presença de estruturas e mecanismos através dos quais se possa recolher, criar e partilhar informações.
Este artigo explora como tais estruturas podem ser co-criadas e escaladas, de forma prática e bem-sucedida, e analisa o impacto que os projetos de educação de doentes já estão a ter.
A “literacia em saúde” de um indivíduo é a sua capacidade de compreender, processar e agir com base em informações sobre a sua própria saúde e cuidados. A literacia em saúde depende de uma combinação de competências - incluindo a linguagem, a compreensão, a leitura, a numeracia e o pensamento crítico - que podem ser explicitamente ensinadas ou adquiridas através da experiência. A literacia na própria saúde tem sido associada a uma gestão eficaz das condições de saúde a longo prazo e tem sido identificada como um fator social determinante para os resultados de saúde, na medida em que permite uma navegação bem-sucedida no sistema de saúde, uma autogestão eficaz e a adesão ao tratamento, bem como a participação na tomada de decisão partilhada com os profissionais de saúde.2
Os benefícios da tomada de decisão partilhada foram extensivamente investigados e incluem uma melhor qualidade das decisões, um atendimento mais personalizado, maior satisfação dos doentes e utilização mais eficiente dos recursos.2
A relação entre a literacia em saúde e a tomada de decisão partilhada reforça-se mutuamente: os doentes ganham uma compreensão mais profunda das suas patologias, opções de tratamento e dos potenciais riscos e benefícios associados a cada um.3 Como resultado, a sua literacia em saúde melhora ao longo do tempo à medida que se tornam mais familiarizados com a terminologia e os conceitos dos cuidados de saúde.
De acordo com um inquérito europeu sobre a literacia em saúde, 12% da população europeia tem uma literacia geral inadequada em saúde e 35% tem uma literacia problemática neste domínio.4 Trata-se de um enorme obstáculo ao envolvimento dos doentes e ao sucesso da tomada de decisão partilhada, assim como à melhoria dos resultados de saúde ao longo de vários eixos. A literacia em saúde é também uma questão de desigualdade no domínio da saúde. Existe uma estreita ligação entre a privação socioeconómica e a baixa literacia em saúde e, de acordo com um relatório do Instituto de Equidade em Saúde, existem também claros gradientes socioeconómicos na mortalidade evitável.5 As áreas mais pobres têm as maiores taxas de mortalidade evitável e as áreas mais ricas têm as mais baixas.6
A promoção da literacia em saúde depende da melhoria da comunicação entre médicos e doentes e do fornecimento de informações de saúde acessíveis e claras. No entanto, ambos estes aspetos são uma tarefa difícil para os prestadores de cuidados de saúde, devido aos curtos horários de consulta presencial, e às barreiras linguísticas e de literacia que tornam ineficazes os métodos tradicionais de distribuição de informações sobre saúde (oralmente e através de folhetos informativos escritos).
Existe uma necessidade bem documentada de inovação nos métodos e modos de prestação de informações em matéria de saúde. Quase dois terços da população em idade ativa em Inglaterra tem dificuldade em compreender as informações de saúde e os estudos concluíram que 40% a 80% das informações fornecidas durante as consultas são imediatamente esquecidas.7,8
Isto tem implicações no mundo real. Um estudo descobriu que vários membros de uma coorte de pessoas com cancro da tiróide aos quais foi pedido que ajustassem a sua dieta antes do tratamento estavam confusos sobre o que precisavam de fazer. Ao terem recebido informações pouco claras e limitadas, muitos restringiram a sua dieta mais e por mais tempo do que o recomendado.8,9 Alguns doentes relataram conflito ou angústia associados à dieta e estavam ansiosos em relação à possibilidade de terem consumido os alimentos “errados”. Os investigadores observaram que os doentes às vezes se culpavam por uma falha posterior do tratamento.9
Este é apenas um dos muitos exemplos de como uma fraca literacia em saúde pode criar problemas para os doentes e para os prestadores. Quando as condições de saúde e os planos de tratamento não são adequadamente compreendidos, a tomada de decisão partilhada e o consentimento informado não são possíveis, a autogestão é impedida e a medicação é, muitas vezes, tomada de forma inadequada.
Em maio de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o seu novo quadro para o envolvimento significativo de pessoas que vivem com doenças não transmissíveis (DNT), saúde mental e condições neurológicas.10 A OMS destacou o direito e dever das pessoas de participar no planeamento da sua própria saúde, bem como a importância de reunir as perceções dos indivíduos ao procurar conceber e implementar políticas, programas e serviços de saúde equitativos.11
Aquando da criação de quadros para promover a literacia em saúde e permitir a tomada de decisão partilhada, a co-criação deve ser uma prioridade. Devem ser envidados esforços concertados para consultar e envolver não só os profissionais da saúde e os investigadores, como também os membros do setor farmacêutico, as pessoas com experiência vivida da doença e os seus cuidadores.
A diversidade cultural e linguística tem de ser reconhecida e os ativos e materiais têm de estar acessíveis numa variedade de formatos, incluindo o tradicional papel e o digital.
Se os recursos forem produzidos apenas numa língua, estarão inevitavelmente inacessíveis a uma fração dos doentes. O inglês, uma das línguas mais faladas no mundo, não assegura uma compreensão garantida mesmo nos países maioritariamente de língua inglesa: de acordo com os dados dos censos, 1,5% da população do Reino Unido não sabe falar “bem” inglês e 8,2% da população dos EUA não sabe falar inglês “muito bem”.12,13
Os recursos devem ser escaláveis - o que significa que podem ser disponibilizados para grandes grupos de doentes em várias regiões geográficas - e, ao mesmo tempo, serem rápidos e fáceis de partilhar com doentes e cuidadores. A disponibilização de recursos digitais e online é uma forma eficaz de escalar a educação para a saúde de forma económica, mas as alternativas em papel devem permanecer disponíveis para aqueles que não têm a tecnologia ou as competências necessárias para aceder ao conteúdo digital.
No Reino Unido, o Royal Berkshire NHS Foundation Trust e a Cognitant, líderes mundiais na interação e aprendizagem dos doentes, colaboraram com especialistas e grupos de doentes no lançamento de um projeto de literacia em saúde com o objetivo de abordar os desafios enfrentados pelos doentes com doença renal crónica (DRC).14 Identificou-se que muitos dos doentes com DRC do Trust tiveram dificuldade em entender as informações de saúde, levando a resultados de saúde insatisfatórios e a aumento de custos. Além disso, observou-se que a abordagem tradicional de utilizar informações baseadas em texto, como folhetos impressos, exacerbou estas barreiras de literacia em saúde.
Para abordar estas questões, a Royal Berkshire NHS Foundation Trust e a Cognitant lançaram o “Kidney Essentials: CKD”. O programa de informação sobre saúde digital, motivante e acessível, utiliza avatares para ajudar os doentes a compreender o seu diagnóstico e estadiamento, bem como a forma de gerir a sua saúde renal. Este programa, que é apoiado pela plataforma digital Healthinote, permite que os médicos criem prescrições de informações de saúde personalizadas, linguística e culturalmente específicas que os doentes podem aceder mediante pedido.
Os resultados do programa piloto mostraram que os doentes acharam a informação digital mais fácil de entender e navegar em comparação com a informação escrita, levando a um maior conhecimento sobre a DRC. A iniciativa foi alargada a uma segunda fase, incluindo um programa semelhante para Lesão Renal Aguda (LRA) e recebeu um parecer positivo tanto dos doentes , como dos médicos.
Para os prestadores de cuidados de saúde que procuram iniciar imediatamente os esforços para promover a literacia em saúde, a primeira ação a tomar deve ser procurar uma coorte representativa de colaboradores dentro da comunidade de doentes e começar a envolver os doentes no processo de tomada de decisão .
Uma segunda colaboração importante é com parceiros de todo o ecossistema de saúde, incluindo a indústria, onde a atenção está cada vez mais voltada para a criação de novos modelos centrados nos doentes que assumem um contínuo de cuidados, em vez de uma abordagem episódica quando se trata do desenvolvimento de novas opções terapêuticas. Isto, de acordo com os dados da Numerof, requer um foco na prevenção, diagnóstico e tratamento de uma série de condições dentro de uma área terapêutica. Como resultado, as empresas farmacêuticas devem ser capazes de demonstrar o valor que as suas terapias estão a fornecer em todo o percurso do tratamento do doente , e não apenas num ponto específico desse caminho.15
Esta mudança de foco torna o investimento na literacia no domínio da saúde pública essencial para garantir uma utilização adequada e otimizada dos produtos. Ao alcançar o ecossistema para colaborar com estes intervenientes devidamente equipados, podemos co-criar recursos e programas que proporcionem benefícios mútuos para todas as partes.
Por fim, tendo em conta as considerações sobre a acessibilidade e escalabilidade acima discutidas, os médicos, prestadores de cuidados e a indústria devem estar preparados para realizar vários ensaios e iterações, procurar obter constantemente feedback e trabalhar com especialistas na criação de conteúdo educacional para os doente que podem ajudar a garantir os melhores resultados para um projeto.
A literacia em saúde capacita as pessoas para satisfazerem as suas necessidades individuais complexas em matéria de saúde na sociedade moderna, começando com competências básicas e terminando na cidadania ativa. Isto diz respeito à saúde centrada nas pessoas, em que as políticas de saúde não são desenvolvidas “em nome de” mas “com”e “através” das pessoas.16
À medida que as populações envelhecem, as comorbidades aumentam e os sistemas de saúde tornam-se cada vez mais sobrecarregados, sendo que a promoção da literacia em saúde no público em geral nunca foi tão essencial.
Ao centrar-se no envolvimento dos doentes no processo de tomada de decisão e na oferta de conteúdos educativos co-criados, acessíveis e inclusivos, será possível uma participação comunicativa e ativa nos cuidados de saúde, proporcionando, em última análise, bases sólidas para o desenvolvimento de populações mais saudáveis e informadas.
Referências
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MD
Cofundador e CEO da Cognitant Group
Tim Ringrose é um nefrologista e especialista em cuidados intensivos por formação. Antes de co-fundar a Cognitant Group, uma empresa líder em envolvimento e conteúdo para pacientes, em 2018, o Dr. Ringrose foi CEO da Doctors.net.uk e M3 (UE). Foi presidente da Digital Health Council da Royal Society of Medicine de 2021 a 2023 e é diretor não executivo e consultor de várias outras empresas de tecnologias da saúde.
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