Os três conceitos - A fórmula para o desenvolvimento da presença executiva

Parte de

Karen Darke MBE

  • Uma fórmula simples poderia ajudar os líderes a impulsionar e a desenvolver a sua presença executiva

  • Compreender os principais elementos da psicologia, fraseologia e fisiologia pode libertar os bloqueios que muitos executivos têm de enfrentar

  • Prestar atenção à forma como os líderes interagem entre si pode ajudá-los a desbloquear o potencial em si mesmos, bem como naqueles que os rodeiam

Para alcançarmos a excelência em alguma coisa, devemos focar-nos tanto no nosso interior como no exterior. Seja um atleta de nível mundial ou um líder executivo, o nosso interior é fundamental para a maneira como nos apresentamos e possibilitamos o nosso desempenho e daqueles ao nosso redor. Isso define como superamos as expectativas, como sobressaímos quando a concorrência também é inovadora e proativa e como criamos um ambiente para obter bons resultados.

O meu próprio caminho para o ouro paralímpico levou-me ao estudo psicológico da teoria lado a lado com a prática. Desenvolvi uma atenção plena dos meus pensamentos e ações. O autoconhecimento dá-nos a liberdade de mudar e permite-nos rentabilizar melhor a nossa energia. Partilho aqui algumas ferramentas diárias simples e práticas que nos podem ajudar a ser mais eficazes naquilo que fazemos e a ter um impacto positivo.

A minha própria abordagem psicológica é geralmente humanista.1 Centra-se no potencial, baseado na crença no bem inato e na possibilidade de crescimento em qualquer situação. Cada desafio é uma oportunidade. Cada fracasso é uma aprendizagem e, consequentemente, um passo em direção ao sucesso.

Mais de uma década no desporto de alto rendimento ensinou-me como é útil observar e trabalhar com a nossa psicologia (estruturas e padrões de pensamento), a nossa fraseologia (linguagem típica e palavras que utilizamos) e a nossa fisiologia (sensações no corpo, alterações no nosso estado fisiológico). De muitas formas, estes três conceitos estão relacionados com teorias da terapia cognitivo-comportamental (TCC), uma forma de psicoterapia que se concentra em como os pensamentos, as crenças e as atitudes afetam sentimentos e comportamentos. Existem também semelhanças com o modelo de programação neurolinguística (PNL) que nos diz que as pessoas funcionam através da navegação por mapas internos do mundo, obtidos através de experiências sensoriais. Ambos os métodos centram-se na mudança dos pensamentos e comportamentos para alcançar os resultados desejados e demonstram ser eficazes em lidar com os tipos de desafios que muitas vezes surgem no mundo de hoje.

As ferramentas que nos permitem trabalhar com a nossa própria psicologia podem apoiar-nos enquanto procuramos alcançar o desempenho e bem-estar. Utilizo três abordagens: (1) redefinir situações (“reframing”) para me focar no seu potencial; (2) quebrar padrões de pensamentos negativos; (3) imagens mentais. Mergulhei nessas técnicas enquanto treinava para o “Projeto Ouro”, o meu objetivo era ver se e como poderia melhorar o meu desempenho o suficiente para ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Paralímpicos de 2016, realizados no Rio de Janeiro.

“Reframing” com base no potencial: o “reframing” é uma maneira de olhar para uma situação, não importa o quão terrível possa parecer, para mudar de perspetiva. Os acontecimentos e factos não mudam, mas a interpretação e o significado sim.

Por exemplo, com qualquer resultado que não parecesse apoiar a crença de que eu era capaz de uma medalha de ouro, eu procurava a aprendizagem. Se eu não chegasse ao pódio num evento, analisaria a situação ao perguntar: O que é que eu/nós posso/podemos aprender com isto? O que é que eu/nós poderia/poderíamos fazer de diferente da próxima vez? Que abordagens inovadoras eu/nós poderia/poderíamos adotar para ir além do nível de desempenho atual? Como é que este resultado aparentemente negativo pode ser uma coisa boa? De que forma é que pode ser uma oportunidade? Fazer perguntas curiosas e empoderadoras como estas é benéfico e está também comprovado que liberta mais dopamina no nosso cérebro, permitindo-nos sentir melhor sobre qualquer situação.2

Quebrar padrões de pensamentos negativos: o cérebro humano está organizado como redes diferentes e existem dois sistemas principais a partir dos quais podemos funcionar. A “rede de modo padrão” (default mode network, DMN) é uma rede cerebral em larga escala que pode levar a ruminação depressiva.3 Às vezes, durante o “Projeto Ouro”, a minha mente começava a vaguear, ao pensar no passado (talvez ao recordar-me dos resultados dececionantes) ou no futuro (ansiedade em obter resultados).4 Quando percebi que isso acontecia, tomava medidas para sair deste modo e entrar na rede oposta, a “rede de tarefas positivas” (task-positive network, TPN).5 Esta é a rede cerebral que está ativa durante as tarefas “que exigem atenção”, mudando o nosso foco de atenção da ruminação para o nosso ambiente interno e externo do momento presente.

Se começasse a ruminar inutilmente, iria para uma tarefa prática que sustentasse a minha visão no futuro ou para um estado meditativo, ligado à respiração ou sentimentos no meu corpo. Esta abordagem consciente de como gastamos a nossa energia mental permite-nos mudar de rede, trazendo a nossa atenção para o momento, ativando a nossa TPN e silenciando as ruminações da nossa DMN.

Imagens mentais: esta é uma forma poderosa de treinar o nosso cérebro, os nossos caminhos neurais e o nosso corpo para nos prepararmos para uma situação e para criar um estado interno que apoie a nossa probabilidade de sucesso. É frequentemente utilizada por atletas para planear um resultado desejado. Por exemplo, a investigação feita mostra que os atletas que se visualizam a completar uma repetição muscular criam uma adaptação neural real e aumentam a sua força muscular.6

O psiquiatra e hipnoterapeuta Milton Erickson desenvolveu técnicas para utilizar o poder do inconsciente para aproveitar os seus recursos para a transformação pessoal e mudança positiva.7 Quando utilizado com imagens mentais ou um ensaio dos nossos objetivos, isto permite-nos ficar mais alinhados, motivados e ligados aos nossos objetivos. Podemos literalmente sentir que já estamos “lá” antes de realmente chegarmos “lá”: o nosso corpo não sabe a diferença entre o que é real e o que é imaginado. Precisamos de uma visão que seja convincente e depois temos de nos conectar de forma emocional. Com isto refiro-me a um “grande objetivo audacioso” como algo realmente incrível (em inglês WIBA, ou “Wouldn’t It Be Amazing”), à medida que isto contribui para a nossa motivação interna.

Para o WIBA do ouro no Rio, criei gravações hipnóticas mentais que me guiaram pelos circuitos da corrida, visualizando todos os meus movimentos, ações, mudanças de velocidade, cantos e sensações durante o percurso e sucesso. Ao permitir que a minha neurologia sentisse o resultado que eu queria, ajudava a criar esse resultado antes do tempo.

Existe tanta coisa codificada na nossa linguagem. Certas palavras ou frases dão pistas sobre o nosso estado emocional, crenças ou influências culturais. Uma única palavra tem a habilidade de mudar o nosso humor. Para obter os melhores resultados, devemos observar a linguagem e as palavras específicas que estamos a utilizar. A consciencialização das nossas narrativas internas é vital para que possamos mudar a maneira como falamos, connosco e com os outros.

Por exemplo, ao treinar para os meus primeiros Jogos Paralímpicos em Londres, voltava de uma sessão de treino desapontada por não ter alcançado as velocidades ou os tempos desejados. A voz dentro de mim castigava-me: “Isto foi terrível; és inútil nisto; nunca vais conseguir”. Esta “auto conversa” estava apenas a criar uma forma de pensar inútil e não contribuía de forma alguma para a minha visão. Comecei a reparar nisso e a mudar a minha resposta. Voltava das sessões de treino a dizer: “Ainda bem que fui hoje; foi um excelente esforço; passo a passo os resultados irão aparecer”. Parei de me referir às intensas sessões de treino intervalado como “sessões de tortura” e passei a chamá-las de “sessões rumo ao Ouro”. Isso ajudou-me a aproveitar o treino que foi fundamental para melhorar o desempenho.

Preste atenção às suas palavras. Elas representam o nosso subconsciente e têm uma forte influência naquilo que criamos.

Quando estamos num estado mental inútil, como quando estamos a pensar demais, num estado de ruminação, ansiedade ou stress, é útil mover o nosso corpo ou a nossa respiração através de alguma atividade. Esta mudança na nossa fisiologia tem um impacto nas partes do nosso cérebro que estamos a aplicar ou a utilizar menos e isso pode desbloquear perceções e soluções criativas. Conseguimos, de uma forma deliberada, invocar este estado ao realizar uma determinada atividade repetitiva como correr ou nadar.

A teoria por trás disto é designada “hipofrontalidade transitória”.8 Isto significa que, temporariamente, há menos atividade nos lobos frontais do nosso cérebro (o córtex pré-frontal), onde se localiza grande parte do nosso pensamento ordenado, sistemático, lógico e tomada de decisões. A hipofrontalidade transitória significa que durante algum tempo, em determinadas condições, a parte do pensamento focado do nosso cérebro fica em repouso, permitindo que outras áreas do nosso cérebro se tornem mais dominantes e, consequentemente, uma alteração da consciência. Podemos sentir uma certa intemporalidade, ausência de esforço e um estado de “flow”, onde os pensamentos e sentimentos prejudiciais são postos de lado.9 É muitas vezes neste estado, que as novas perceções e soluções surgem. Podemos implementá-las quando começarmos a utilizar novamente o nosso córtex pré-frontal.

Quando almejo o desempenho paralímpico, acho útil abraçar esta ciência do fluxo mental para reduzir o stress ou ansiedade associados ao meu desempenho. Além das imagens mentais de estar numa corrida, utilizo gravações hipnóticas e música enquanto treino numa bicicleta estática. Isso foi particularmente útil para percursos fáceis entre corridas. Sem tráfego ou distrações externas, conseguia entrar num estado de hipofrontalidade transitória ainda mais facilmente, ao relaxar o meu cérebro, libertando-o de qualquer stress subjacente.

Os exemplos que partilhei são do meu percurso no desporto de alto rendimento, mas todas estas ferramentas para o desenvolvimento da presença executiva são aplicáveis em vários domínios, incluindo negócios, saúde e bem-estar, desempenho e muitas outras áreas das nossas vidas. O primeiro passo é o compromisso com o aumento do autoconhecimento. Ao fazê-lo conseguimos reconhecer e desafiar os nossos próprios pensamentos e comportamentos. Podemos então reformular situações, ser curiosos e envolver a nossa TPN para estarmos mais presentes e focados. Através da visualização e ao prestarmos atenção às palavras e linguagem que utilizamos, podemos mudar ativamente a nossa fisiologia. Ao combinar os três conceitos (psicologia, fraseologia e fisiologia), podemos criar um ambiente, dentro de nós e ao nosso redor, que nos apoiará à medida que avançarmos em direção aos nossos objetivos e concretizarmos a nossa visão.

Referências

  1. McLeod, S. (2024). Simply Psychology. Artigo disponível em https://www.simplypsychology.org/humanistic.html [Acedido em novembro de 2023]

  2. Kidd C et al. (2015). Neuron 88, 449-460. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4635443/ [Acedido em novembro de 2023]

  3. Hamilton J et al (2015). Biol Psychiatry Aug 78(4): 224-230. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4524294/ [Acedido em novembro de 2023]

  4. Mittner M et al. (2016). Trends Cogn Sci 20. 570-578. Documento disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27353574/ [Acedido em novembro 2023]

  5. Di X et al. (2014). PeerJ 2, e367. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4017816/ [Acedido em novembro de 2023]

  6. Hynes J et al. (2020). Impulse: The Premier Undergraduate Neuroscience Journal. Documento disponível em https://assets.pubpub.org/k9og4slt/31643844339559.pdf [Acedido em novembro de 2023]

  7. Gregg E et al. (2005). The American Journal of Psychiatry Volume 162, 1255-1255. Documento disponível em https://ajp.psychiatryonline.Org/doi/10.1176/appi.ajp. 162.7.1255 [Acedido em novembro de 2023]

  8. Dietrich A et al. (2018). Journal of Consciousness Studies 25, 226-247. Documento disponível em https://psycnet.apa.org/record/2019-06909-011 [Acedido em novembro de 2023]

  9. Dietrich, A. (2003). Conscious Cogn. 12.231-56. Artigo disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12763007/ [Acedido em novembro de 2023]

Autora

PhD, MA, MSc, BA, BSc
Conferencista, coach, autora, exploradora e atleta

Karen Darke MBE pode ser descrita como uma “alquimista” moderna: uma conferencista, especialista em aprendizagem e desenvolvimento que se tornou Coach em “mindset-heartset”, “Explorer in Residence” pela Scottish Royal Geographical Society, atleta, autora e líder em jornadas de transformação...

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