Insuficiência cardíaca é um problema de saúde pública muito preocupante em Portugal
Convidado Especial
Maio é o Mês do Coração e todos precisamos de cuidar do nosso. Em Portugal, cerca de 700 mil pessoas sofrem de insuficiência cardíaca, uma realidade com tendência agravar-se, dado o envelhecimento da população.
É nosso Convidado Especial o presidente da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC), Luís Filipe Pereira, que alerta para a necessidade de uma campanha nacional de sensibilização que informe a população, além de sublinhar o papel crucial do diagnóstico nos cuidados de saúde primários.
Identifica ainda como um dos maiores desafios atuais a sensibilização dos decisores políticos para a criação de uma estratégia nacional integrada para a Insuficiência Cardíaca.
O Estudo PORTHOS veio revelar uma situação de saúde pública muito preocupante no país.
Segundo este, estudo a Insuficiência Cardíaca (IC) atinge, em Portugal, cerca de 700.000 pessoas e é óbvio que tal situação tem consequências para os doentes, em termos de autonomia e qualidade de vida, para as famílias, pelo esforço acrescido de cuidados aos seus familiares, e para a sociedade, quer em termos económicos e sociais, atendendo ao impacto das hospitalizações e da mortalidade associados à IC, quer em termos do impacto no SNS, com o acréscimo de custos para prevenir, diagnosticar e tratar a doença.
Por outro lado, é ainda de referir que a IC é um problema de saúde pública com tendência a agravar-se. Cerca de 80% dos casos de IC afetam pessoas das faixas etárias mais elevadas, a partir dos 65 anos. Dado o rápido envelhecimento da população (Portugal é, já hoje, o quarto país mais envelhecido do mundo) a IC poderá ser, num horizonte temporal reduzido, até ao final da década, uma das principais patologias, senão a principal, no país.
A acrescer à situação descrita, a IC é uma doença mal compreendida pela população, por regra, tardiamente diagnosticada e com uma mortalidade elevada.
É, assim, fundamental que se promova, massivamente, junto da população, o conhecimento da doença e que se combatam as barreiras ou desafios que lhe estão associados.
E a primeira barreira é o desconhecimento. Os primeiros sintomas não ajudam a diagnosticar a IC: cansaço, inchaço nas pernas, edemas, falta de ar… aspectos que as pessoas associam ao aumento da idade e que, por falta de conhecimento, acabam por desvalorizar.
O subdiagnóstico é outra das barreiras porque as pessoas, muitas vezes, só em episódios de urgência, nos hospitais, é que têm acesso ao diagnóstico.
É, assim, necessário que as situações de IC sejam crescentemente detetadas, no âmbito dos cuidados primários , pelos médicos especialistas em medicina geral e familiar, que estejam devidamente capacitados e com acesso às ferramentas de diagnóstico necessárias.
Neste contexto, é fundamental que possa ser lançada pelo Governo uma campanha nacional de informação e sensibilização sobre a IC junto dos cidadãos, dos doentes e dos profissionais de saúde.
Como referi, em Portugal, dado o envelhecimento da população, a IC terá previsivelmente , a curto prazo, um impacto ainda maior na sociedade portuguesa.
Estima-se que até 2050, um terço da população portuguesa tenha mais do que 65 anos, o que significa que as doenças crónicas vão ter uma expressão ainda mais pesada no SNS e no Orçamento da Saúde.
É evidente que a IC não é a única doença crónica em Portugal, mas dadas as caraterísticas da doença, a sua elevada e crescente prevalência, a sua estreita relação com o envelhecimento, o seu generalizado desconhecimento pela população e a sua elevada mortalidade, considero que a IC deverá constituir, hoje, uma prioridade de saúde pública em Portugal.
A importância fundamental do diagnóstico precoce da IC levanta uma questão mais lata: a forma como está organizada a resposta do SNS.
Temos, de facto, um SNS de cariz curativo mais do que preventivo. E aqui assume particular importância o papel dos cuidados primários na prevenção e diagnóstico das doenças.
Tal como referi, é fundamental que as situações de IC sejam detetadas por médicos especialistas em medicina geral e familiar com acesso às ferramentas de diagnóstico, nomeadamente ao exame de detecção específico – o NT-proBNP para o qual, só muito recentemente, o Governo tomou a decisão da comparticipação pelo Estado no custo deste exame, decisão esta que a AADIC vinha pedindo de há muito.
Deste modo será possível identificar, de modo precoce, as pessoas com IC, em estádios iniciais, para que depois exista a indispensável interligação com os cuidados hospitalares, de forma a prestar um tratamento integrado.
Uma estratégia, a nível nacional, é um objetivo central para o combate à IC e terá que ser lançada e realizada pelo Governo no âmbito das políticas públicas de saúde.
Para a AADIC, o principal desafio coloca-se na sensibilização dos decisores políticos para a conceção, lançamento e concretização desta estratégia nacional.
Neste sentido, a AADIC tem vindo a sensibilizar estes decisores, tendo feito contactos quer ao nível do Governo quer ao nível dos partidos políticos na Assembleia da República.
Recentemente, por iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, foi apresentada e submetida a discussão, uma Resolução da AR sobre a IC, a qual foi votada e aprovada por unanimidade.
Esta Resolução , que foi já publicada no Diário da República, recomenda ao Governo (aquele que resultar da próxima eleição de 18 de Maio) a tomada de várias decisões, entre as quais a adopção de uma estratégia nacional para a IC.
São as seguintes , as decisões que constam desta Resolução:
A aprovação e efetivação de uma Estratégia para a Insuficiência Cardíaca que integre a prevenção, o tratamento e a articulação entre cuidados primários e hospitalares;
O reforço do diagnóstico da IC no SNS;
A atribuição de medicamentos para a IC de uma comparticipação idêntica à aplicada, no SNS, a outras doenças crónicas de gravidade equiparável;
A realização de uma campanha de informação e sensibilização sobre IC junto dos cidadãos, doentes e dos profissionais de saúde não especializados em IC;
A criação de serviços hospitalares especializados para a IC com estrutura pluridisciplinar e englobando cuidados de “hospital de dia” e ambulatórios.
Como se verifica, esta Resolução compreende uma abordagem global para enfrentar a problemática da IC no país, incluindo um aspeto muito importante para os doentes e suas famílias, em especial as mais carenciadas, e para o qual a AADIC vinha, também, a solicitar há muito uma decisão : a comparticipação nos medicamentos para a IC idêntica à das outras doenças crónicas, o que não sucedia até agora.
A AADIC tem, ao longo dos anos, desenvolvido (e continua a desenvolver) uma atividade constante de divulgação do conhecimento da IC e de apoio aos doentes, famílias e cuidadores.
De forma regular, realiza iniciativas junto de vários públicos, nomeadamente a população sénior e os mais jovens.
No caso da população sénior realiza ações de informação e esclarecimento em colaboração com Universidades Séniores, associações de reformados e outras instituições. No caso do público mais jovem, a AADIC tem realizado sessões em escolas secundárias.
Além destas ações a AADIC promove uma interação constante com os seus associados, famílias e cuidadores, através de iniciativas regulares, como a realização de “workshops” e de “webinars”, envolvendo profissionais de saúde sobre diversos temas, tais como : prevenção, promoção de de estilos de vida saudáveis e informação sobre a doença.
Num enquadramento mais geral, estas iniciativas integram-se no esforço de promoção de um conceito extremamente importante: a difusão da literacia em saúde. Se tivéssemos, na sociedade portuguesa, uma atuação alargada, mais sistemática, capaz de esclarecer a população sobre os riscos em que incorre ao adotar determinados comportamentos, poderíamos ter uma ação mais eficaz de prevenção de doenças, entre as quais, a IC.
Neste âmbito, a AADIC tem tido a preocupação de “chegar” ao grande público, por forma a combater a falta de conhecimento da IC.
Em 2023 , com o apoio “pro bono” de empresas e de entidades individuais (como o cantor Salvador Sobral que participou no vídeo) a AADIC realizou uma grande campanha nacional de informação sobre a IC divulgada nos canais de TV , generalistas e de cabo, rádio, “outdoors”, entre outros.
O Estudo PORTHOS veio confirmar que, entre os fatores de risco da IC, estão a diabetes, a hipertensão arterial e a obesidade.
Trata-se de doenças crónicas que afetam generalizadamente a população portuguesa, nomeadamente a mais idosa, e para as quais é necessário adotar e pôr em prática medidas de prevenção.
Em termos essenciais, a prevenção passa por divulgar junto da população geral o conhecimento de comportamentos individuais adequados, de estilos de vida saudáveis.
De facto, a forma como conduzimos individualmente a nossa vida do ponto de vista da saúde é determinante para a prevenção e diminuição de doenças. Desde a alimentação saudável até à prática regular de exercício físico, com ausência de hábitos viciantes, como o tabaco e o excesso de álcool..
A importância fundamental da responsabilidade dos comportamentos individuais leva-me , há muito, a divulgar a mensagem de que “somos os gestores da nossa própria saúde”.
O Estudo PORTHOS identifica diferentes prevalências de IC, no território nacional, cujo valor , a nível do país, é de 16,7%.
As assimetrias regionais são significativas e nas regiões consideradas estas apresentam valores distintos, como sejam: Norte 12,93 %; Centro 17,9%; Lisboa e Vale do Tejo 18,84%; Alentejo 29,17% e Algarve 6,61%.
Estes diferentes valores expressam as diferenças em relação a variáveis fundamentais, específicas, de cada região, como sejam: demografia e envelhecimento populacional, acesso aos cuidados de saúde, factores sócio-económicos (condições de vida, educação , etc.) e estilos de vida e factores de risco.
O combate a estas assimetrias regionais passa pela adoção e prática efetiva de políticas públicas de natureza diversa (económica, social, demográfica.) e em particular pela ação e maior eficiência do SNS no acesso aos cuidados de saúde, nos seus múltiplos aspetos de prevenção, diagnóstico, tratamento e articulação entre cuidados primários e hospitalares.
A transformação digital e a implementação de teleconsultas , entre outras soluções, podem ser importantes ferramentas para a prevenção, diagnóstico e tratamento da IC.
Estas ferramentas permitem, entre outras vantagens, uma maior acessibilidade aos cuidados de saúde e também um acompanhamento não presencial de tratamentos e terapêuticas, através de dispositivos de monitorização e prevenção, sendo este aspeto especialmente importante para as populações mais afastadas das unidades de prestação de cuidados de saúde (como centros de saúde e hospitais) e, em particular, para os idosos, isolados nas regiões do interior do país.
NP-PT-00248-External-Entrevista Luís Fillipe Pereira