Convidado Especial – Vítor Rodrigues

Pandemia foi um rebate brutal para a doença oncológica

O impacto da pandemia nos doentes com cancro é ainda difícil de estimar, mas há uma certeza: as conquistas feitas em décadas na doença oncológica estão a ser comprometidas.

É nosso Convidado Especial o Presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Rodrigues, que traça um panorama pouco tranquilo dos efeitos da pandemia de Covid-19 na área do cancro.

Foi um rebate brutal e vai continuar a ser. Mas podemos e devemos olhar para o passado, para ver o presente e perspetivar o futuro. Os Institutos Português de Oncologia (IPO) e os grandes centros hospitalares conseguiram de alguma forma, durante estes meses todos, navegar mais ou menos no capítulo do tratamento. O problema principal está a montante, nos diagnósticos. Há muita doença escondida a passear por aí sem ser detetada.

Para começar, os cuidados de saúde primários têm estado assoberbados com

rastreamento de casos de Covid. Também os rastreios de base organizada registaram importantes entraves. O rastreio do cancro do colo do útero está praticamente parado, bem como o do cancro colo-retal. No caso do cancro colo-retal, temos o problema adicional de as colonoscopias serem um procedimento bastante invasivo e há menos capacidade de o fazer.

Houve muitos cancros que deixaram de ser diagnosticados logo em termos de rastreio organizado Eventualmente, alguns vão chegando aos IPO, mas os próprios IPO confirmam-nos uma redução de referenciação de 20 a 25%.

Voltando a pegar no exemplo da redução de referenciação para os IPO, logo aí podemos dizer que haverá 20% de diagnósticos que não estão a ser feitos.

Até setembro ou outubro de 2020, eu tinha estimado que cerca de mil cancros tinham ficado por diagnosticar só em termos de rastreio organizado populacional. Neste momento, já ultrapassámos este valor de certeza absoluta.

Se a isto somarmos o diagnóstico clínico precoce, sem ser em rastreio organizado, não consigo bem estimar, porque não temos dados suficientes...Mas serão ainda mais uns milhares os casos por diagnosticar, obviamente.

Isto é assustador...é assustador!

Quando a pandemia diminuir e acabar o estado pandémico, provavelmente vamos ter duas “vagas”, para usar o mesmo tipo de linguagem. Teremos o número de diagnósticos normal e também todos os que estão e estavam atrasados.

Isto obrigará a que as autoridades de saúde tenham de prever estas duas vagas que vão acontecer ao mesmo tempo. Ou seja, os cerca de 50 a 60 mil casos que normalmente são diagnosticados todos os anos, mais aqueles que ficaram por diagnosticar.

Quando, felizmente, esta pandemia diminuir, vamos ter um número de casos superior ao que era expectável sem a epidemia. Vamos ter um aumento, provavelmente, de 10, 20,30 ou mesmo 40% num período limitado mas importante de tempo.

Continuará a registar-se um grande stress no sistema de saúde, que sairá de um momento de grande pressão e começará logo noutro. E o que sucede para a doença oncológica ocorre também para outras doenças crónicas extremamente prevalentes, como a diabetes.

Muitos sentem-se em pânico [com adiamento de procedimentos]. Todos os dias recebemos informações e reportes de pessoas que vêem as suas situações adiadas.

Ainda há poucos dias recebemos ainda um email de uma doente com cancro do pulmão a quem foi comunicado mais um adiamento. Mais um!

As pessoas estão, muitas delas, desesperadas. Se até para uma gripe ficamos ansiosos quando temos necessidade de apoio clínico, imagine-se o que não significa o adiamento para os doentes oncológicos. O que representa perceberem que não terão possibilidade de ser tratados a curto prazo...

Vemos este tipo de situação acontecer quase todos os dias. Mas é preciso também admitir que há pessoas que têm medo (de ir realizar tratamento, procedimentos ou de ir ao médico) e que não vão.

Sentem, sim, sentem. No fundo, estamos numa situação de resposta reativa e não ativa (défice de planeamento atempado), que vai ter um rebate grande em termos de diminuição de sobrevivência e de aumento da mortalidade.

Vamos regredir anos, a médio e a longo prazo. Porque os atrasos de diagnóstico e tratamento vão repercutir-se. E a vários níveis. Pessoais, familiares, sociais e mesmo a nível económico e financeiro.

Vamos regredir e não há dúvida nenhuma acerca disso. Cheguei a estar convencido, em março ou maio, que não iríamos regredir, mas antes estagnar nas conquistas que tínhamos feito na área oncológica. Mas, neste momento, estou perfeitamente convencido de que vamos regredir, não há dúvida nenhuma.

Temos, primeiro que tudo, que diminuir o stress da pandemia sobre o sistema de saúde.

Sem que isso aconteça, não há grande solução.

E depois temos de encontrar vias diferentes nos cuidados de saúde: uma para a Covid e outra para a não Covid. Temos de alocar, naturalmente, recursos para estas duas soluções.

A vacinação tem aqui um peso importante também. Logo que possível, temos de vacinar mais pessoas.

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