
Entrevista - Alexandra Pinheiro
Vivemos em tempos difíceis e turbulentos. Estamos face a face com desafios globais sem precedentes. Observamos mudanças climáticas e ecológicas, crises financeiras e económicas. Presenciamos fome e doenças infecciosas, depressão e ansiedade, relações tóxicas, terrorismo e guerras. É exatamente nestes momentos que mais precisamos da solidariedade.
Muito mais do que uma palavra bonita, solidariedade é uma das mais importantes manifestações da identidade humana. Fazer o bem é algo capaz de transformar o nosso meio e as pessoas que nos cercam. Quando nos colocamos no lugar do outro e tentamos amenizar o seu sofrimento, isso gera empatia e tolerância. É o caminho para um mundo melhor.
Nascida no seio de uma família para quem a solidariedade sempre foi algo natural, Alexandra Pinheiro conta-nos, na primeira pessoa, como a sua avó paterna lhe incutiu este sentido de preocupação com o outro.
Alexandra e os seus 29 primos aprenderam, desde muito pequenos, que deviam ser gratos por tudo o que tinham: “A minha avó sempre nos disse que ajudar era uma forma de agradecer todas as bênçãos que tínhamos na vida”. E para Alexandra, “quanto melhor estamos na vida, mais recursos conseguimos mobilizar!”.
Embora com este espírito sempre presente na sua vida, foi na Roche que isso se tornou uma verdadeira missão. Tudo terá começado com uma simples carta de uma professora dos Açores.
“Chegou às minhas mãos uma carta de uma professora primária de Rabo de Peixe, que nos falava dos seus meninos e de todas as dificuldades e necessidades da comunidade onde viviam:”. Recorda, emocionada, como “uma carta tão simples, mas maravilhosamente escrita, nos tocou de uma forma tão intensa”.
Com a ajuda de alguns colegas, rapidamente se mobilizaram e conseguiram recolher uma quantidade muito significativa de todo o tipo de bens. Mas, ninguém poderia imaginar que o mais difícil não seria a recolha, mas a entrega: “Enviar uma quantidade gigante de doações para os Açores era caro e impossível de conseguir sem a ajuda do nosso Director-Geral à época, que se disponibilizou, de imediato, para pagar o transporte de barco”. Mas, os problemas não acabavam aqui e era ainda necessário transporte para o barco: “Um dos nossos mais antigos parceiros aceitou, de imediato, o nosso pedido e, ainda hoje, nos dá apoios pontuais noutras situações”.
Foi de coração cheio que viram partir este barco solidário, carregado de esperança para estas crianças. Já nos Açores, “foram os bombeiros que trataram do transporte para a comunidade”.
Por vezes, não temos noção da força das nossas acções e a Alexandra ainda carrega no coração a carta de resposta que recebeu da professora e as frases que, ainda hoje, lhe aquecem o coração:
“O meu Joãozinho nunca tinha vestido um casaco tão quentinho e trouxe sapatos novos para a escola!”;
“Os meus meninos estão sentados no recreio a ler um livro e já não estão a lutar e a discutir!”
Podem parecer coisas demasiado simples e até pequenas, mas perceber que este apoio gerou, acima de tudo, esperança e conforto numa comunidade tão fragilizada, fez com que este projecto se tornasse uma missão e, a seguir a este, foram feitos vários envios, gerando uma onda solidária sem precedentes.
Infelizmente, a distância era grande, a logística complexa e “tínhamos comunidades mais próximas também carenciadas e a necessitar de apoio”.
Foi neste contexto que surgiu o apoio à Solami – Associação de Solidariedade e Amizade de Casal de Cambra. Esta instituição mantém em funcionamento as valências de Creche, Creche Familiar, Educação Pré–Escolar, Atl`s, Clube de Jovens, Centro de Dia, Serviço de Apoio Domiciliário e Centro de Convívio, nas quais são desenvolvidas diversas actividades, maioritariamente de apoio à população Infantil, Juvenil e Idosa.
Embora sejam dados apoios, pontuais, a outras instituições, como a Próximo Presente, é com a Solami que mantemos um compromisso de apoio mais profundo. Alexandra conta-nos que algumas das valências da Solami existem graças à solidariedade da Roche:
“Toda a biblioteca da instituição foi doada pela Roche, desde livros a móveis. Também aqui tivemos o apoio de um dos nossos parceiros, que nos ofereceu o transporte e o apoio humano para levar todos estes materiais - Foram 12h de trabalho, entre a recolha, entrega e montagem de todos os móveis!”
Dada a dimensão de toda esta logística, há alguns anos, surgiu a ideia de “criar o grupo Coração Roche, como uma forma de responsabilidade social. Deste grupo surgiram ideias como a Mercearia Solidária (restaurante) e o Ecoponto solidário (garagem), com o propósito de recolher, de forma mais organizada, as contribuições generosas dos colaboradores da Roche.”
A gestão e organização de todas estas doações, antes de cada entrega, é um trabalho demorado e que exige tempo de dedicação. A Alexandra refere com, carinho, “a enorme contribuição que o colega Miguel Patrício tem dado. São gestos generosos como os do Miguel, que permitem manter esta chama viva”.
Infelizmente, “com a crise pandémica, as carências sociais agravaram-se e as doações passaram a ser alvo de regras de higienização, que não conseguimos cumprir, por falta de meios humanos”. Com alguma angústia, Alexandra, confidencia-nos que, nesta fase “os apoios têm de ser preferencialmente monetários”.
“Embora exista um pequeno grupo de colegas que, mensalmente, contribui com uma verba fixa para a apoiar esta instituição, este valor, que já era escasso; nesta fase, ainda se tornou mais curto. Era importante conseguirmos mais compromissos, por menores que sejam, são sempre uma ajuda”
Porque, para o Coração Roche, as batalhas são para lutar com toda a alma, este grupo não baixa os braços e prepara-se para lançar mais uma campanha solidária! Será uma campanha de angariação de fundos, para a qual vos daremos mais informações nos próximos dias.
Não quisemos fechar sem pedir à Alexandra que nos deixasse uma mensagem-chave sucinta sobre a iniciativa Coração Roche: “A solidariedade dá-nos um sentimento de felicidade profunda, gratidão e ajuda a relativizar os nosso problemas do dia a dia! Ficamos, emocionalmente mais fortes e mais ricos!”